28/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-25A - GT 25 - Mãos que não se soltam na tecitura da RAPS |
30269 - PROBLEMATIZANDO O CUIDADO EM SAÚDE MENTAL EM REDE: REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES A PARTIR DE UMA VIVÊNCIA EM UMA CIDADE DO PARANÁ INAÊ DUTRA VALÉRIO - UFPEL, SOFIA RAFAELA MAITO VELASCO - USP, CÉSAR AUGUSTO PARO - UFRJ
Contextualização: Trata-se de um relato de experiência a partir da vivência nos serviços que compõem a Rede de Apoio Psicossocial do Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de Piraquara/PR durante o Curso Colaborativo de Saúde Pública promovido pela Universidade de Harvard em parceria com a Universidade Federal do Paraná.
Com mais de 111.000 habitantes, Piraquara possui nove Unidades Básicas de Saúde (UBS) com 19 Equipes de Saúde da Família, duas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), um serviço especializado para consultas psicológicas e psiquiátricas individuais (designado por CESP - Centro de Especialidades de Piraquara), dois Centros de Atenção Psicossocial (um tipo II e outro tipo CAPSad - álcool e outras drogas) e convênio com um hospital psiquiátrico filantrópico para homens. Além disso, conta com o suporte especializado de hospital psiquiátrico estadual situado em cidade vizinha.
Descrição: O curso foi desenvolvido a partir de participação em seminários teóricos, discussões em grupo sobre o cuidado em saúde mental no SUS, visitas guiadas aos serviços de saúde e interação com usuários do sistema em suas residências. Participaram do curso 30 estudantes da área da saúde, sendo 16 pós-graduandos de diferentes universidades brasileiras e 14 da Universidade de Harvard. Estes foram divididos em subgrupos de seis estudantes (três brasileiros e três americanos) em cinco temáticas, sendo uma delas a saúde mental, sob supervisão de dois especialistas no tema. A partir de algum dos problemas identificados nas vivências, elaborava-se uma proposta de projeto de intervenção que pudesse superar essa situação, que era apresentada aos gestores e profissionais de saúde dos serviços de saúde mental ao final do curso.
Período de Realização: 7 a 24 de janeiro de 2019.
Objetivo da experiência: Compreender sobre como se dá o cuidado em saúde mental ofertado no município de Piraquara/PR, bem como refletir sobre proposições que possam apoiar na reconstrução destas práticas a partir dos princípios do SUS.
Resultados: Apesar de haver estratégias de cuidado dos pacientes com transtornos mentais nas UBS, do suporte matricial e assistencial do NASF (em que se destacou a construção do genomapa - árvore geneológica das comorbidades) e das atividades grupais e atendimentos individuais desenvolvidos pelo CAPS (em sua maioria, usuários que foram encaminhados pela atenção básica), a taxa de internação psiquiátrica do município é quase quatro vezes maior em relação à média nacional: em 2018, o índice de internações psiquiátricas por 1.000 habitantes foi de 1,15 no Brasil, 2,81 no estado do Paraná e 4,82 em Piraquara.
O hospital psiquiátrico estadual de referência fica distante da cidade, dificultando o acesso dos familiares e contribuindo para o isolamento dos usuários. Quando um usuário é admitido no hospital psiquiátrico, ele é obrigado a ficar por no mínimo 72h, podendo receber alta médica ou liberação familiar. Neste hospital, o tempo médio de internação é de 30 dias, estimulando o sistema hospitalocêntrico e contrariando a proposição de uma reabilitação psicossocial territorializada, tal qual preconizada pela Reforma Psiquiátrica.
Aprendizados: As interações com os usuários da rede revelaram as suas críticas sobre o modo como as práticas de cuidado se constituíam. Uma das usuárias, por exemplo, encontrava-se afastada de qualquer serviço da rede, dado que temia ser enviada ao hospital psiquiátrico – o que implicava diretamente na continuidade do seu processo de reabilitação psicossocial.
No hospital, diversos usuários reportaram preferirem estar sob cuidados de outros serviços da rede (como CAPS e UBS), por serem considerados mais afetuoso e possibilitá-los a permanência em sua própria casa e no seu cotidiano. A recuperação de sujeitos com transtornos mentais leves também era prejudicada pela convivência com sujeitos com morbidades mais graves e descompensadas.
Propôs-se a implantação de um processo alternativo de designação de leitos hospitalares com dupla checagem, em que uma equipe especializada de saúde mental no nível central pudesse apoiar na discussão sobre os benefícios e pertinência da hospitalização. Isto fomentaria um processo formativo para os profissionais solicitantes da referência, trazendo novos olhares para o manejo dos sujeitos com transtornos mentais, com a redução de encaminhamentos desnecessários e maior responsabilização de todos os atores para o cuidado em saúde mental.
Análise crítica: Embora a Reforma Psiquiátrica tenha propiciado a criação de políticas e de ações programáticas para o cuidado em saúde mental, a hospitalização excessiva demonstra a necessidade de reconstrução de práticas que possam respeitar e favorecer a autonomia dos sujeitos. Dispositivos que favoreçam uma gestão do trabalho com vistas a uma atenção psicossocial integral e processos e educação permanente em saúde que incorporem as perspectivas dos usuários são imprescindíveis para a superação deste desafio.
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