29/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-25B - GT 25 - Formação para o Cuidado em Liberdade |
30212 - UMA CRÍTICA A COMPETÊNCIA CULTURAL NA INTERFACE SAÚDE DA FAMÍLIA E SAÚDE MENTAL MANUELA RODRIGUES MÜLLER - FACULDADE DE MEDICINA, UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
Introdução: Esta proposta de trabalho se trata de recorte de tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS – UERJ), onde se abordou a questão da sensibilidade cultural dos profissionais de saúde das equipes de Saúde da Família e dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB).
Tal interesse se deu a partir da observação que tem havido uma crescente aproximação da saúde mental a atenção primária à saúde (APS), privilegiando a colaboração nas práticas de saúde, por meio do Apoio Matricial (ATHIÉ, FORTES e DELGADO, 2013). A interface entre saúde mental e saúde da família, embora entendida como potencialmente positiva, no que diz respeito ao acesso e à qualidade de cuidado para os pacientes e comunidades atendidas, ainda requer mais estudos (WENCESLAU e ORTEGA, 2015).
O Apoio Matricial (AM) se dá em encontros regulares entre as equipes de referência e os matriciadores em saúde para discussão de casos clínicos e as alternativas de manejo, considerando as especificidades individuais dos pacientes, do território e da rede de serviços disponíveis para o agenciamento das situações. Entende-se que a prática interdisciplinar desenvolvida nesses encontros permite um diálogo entre os profissionais de saúde e, consequentemente, uma aproximação dos usuários e de suas realidades, questionando o olhar acerca do fenômeno saúde-doença baseado na objetificação do doente (ATHIÉ, FORTES e DELGADO, 2013; TORRE e AMARANTE, 2001).
A experiência de saúde-adoecimento-busca por cuidado como uma construção dialógica pode se expressar de modo proeminente no AM. Assim, as implicações clínicas e para o trabalho em saúde do processo saúde-doença-busca por cuidado também se tornam evidentes diante do encontro diário com pessoas que descrevem suas vivências em outros termos, inserem-nas em lógicas culturais diversas do modelo biomédico e lançam mão de estratégias de enfrentamento inesperadas (a partir de uma perspectiva biomédica). Além do óbvio impacto no manejo dos casos, por exemplo, na baixa adesão ao projeto terapêutico, ainda há o risco de negligência de aspectos significativos do processo adoecimento-busca de tratamento, relacionados a fatores socioeconômicos e culturais, bem como, atualização do contexto de exclusão, violência (estrutural) e iniquidades no acesso aos serviços e ao cuidado de qualidade (NUNES, 2009; KIRMAYER, 2012; KIRMAYER, ROUSSEAU e GUZDER, 2014).
Na APS, a noção utilizada para a transmissão do debate em torno da construção dialógica da experiência do adoecimento e do cuidado é a Competência Cultural (CC), entendida como habilidade dos profissionais de saúde e serviços de adequarem os cuidados em saúde prestados em relação à grande diversidade de necessidades das pessoas e dos grupos acompanhados. No caso brasileiro, sua adoção seria relevante por se tratar de país com grande diversidade cultural e socialmente complexo. Então, torna-se fundamental que os profissionais adquiram conhecimentos, habilidades e sensibilidade cultural para o exercício de suas atividades (TARGA e OLIVEIRA, 2012).
A apreensão da noção de CC por profissionais de saúde, no cenário da APS, pode dar pistas sobre a formação dos profissionais e facilitação no cotidiano dos serviços para práticas de saúde culturalmente sensíveis.
Objetivo: Investigar o conhecimento teórico e prático das ferramentas para uma prática de saúde culturalmente sensível e qual o uso das mesmas entre médicos de família e matriciadores.
Metodologia: Desenvolveu-se um estudo qualitativo, em que se aplicaram entrevistas individuais, do tipo episódicas (FLICK, 2009, 2013), com médicos da família e matriciadores de saúde mental, oriundos de duas Unidades de Saúde de Família do município do Rio de Janeiro na zona norte da cidade. As entrevistas foram analisadas por meio de Análise do Discurso (ORLANDI, 2011). O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética do Instituto de Medicina Social – UERJ (CAEE 79336117.2.0000.5260) e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (CEP - SMS-RJ, CAEE 79336117.2.3001.5279).
Resultados: As entrevistas permitiram observar o entendimento dos profissionais acerca da noção de Competência Cultural e dos instrumentos para práticas de saúde mental culturalmente sensíveis, bem como contrapor aos relatos de experiência no manejo dos casos. Tais achados foram discutidos a partir das noções de interculturalidade e intermedicalidade.
Considerações Finais: Embora os profissionais percebam os condicionantes socioculturais relacionados aos casos clínicos e às interações com usuários, comunidade e entre profissionais, a noção de CC se mostrou insuficiente para uma compreensão ampliada e crítica da diversidade cultural, demonstrando a necessidade de estimular o debate em torno da dimensão sociocultural, considerando as particularidades das reformas sanitária e psiquiátrica brasileiras.
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