28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-26A - GT 26 - Gênero, Controle, Aprimoramento e Subjetividades |
29830 - ESSURE® NO BRASIL: DESVENDANDO SENTIDOS E USOS SOCIAIS DE UM DISPOSITIVO BIOMÉDICO QUE PROMETIA ESTERILIZAR MULHERES ELAINE REIS BRANDÃO - INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA - UFRJ, ANA CRISTINA DE LIMA PIMENTEL - FACULDADE DE MEDICINA - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI, MG
Introdução: No final de 2018, denúncias graves de diversos efeitos colaterais sofridos por mulheres em vários países (EUA, Europa, Brasil) vieram a público, após estas terem implantado em suas trompas, sob recomendação médica, um dispositivo permanente para controle reprodutivo, designado Essure®. Tais denúncias colocaram em relevo muitas controvérsias científicas que encobrem ampla difusão pela Bayer, na última década, deste artefato biomédico, apresentado como “solução ideal” para prevenção definitiva da gravidez. A introdução do dispositivo em hospitais públicos de capitais do Brasil, como Rio de Janeiro e São Paulo, associados ao Sistema Único de Saúde (SUS), despertou nossa inquietação no sentido de investigar tais procedimentos buscando compreender as condições sociais de sua implantação em mulheres usuárias destes serviços de saúde.
Objetivos: O trabalho busca compreender a circulação internacional e introdução deste artefato biomédico no Brasil, para identificar processos sociopolíticos que permitiram sua regulação, sua implantação em mulheres que acorreram aos hospitais públicos com demanda para ligadura tubária e o ativismo das pacientes para retirada do Essure®, após problemas de saúde.
Metodologia: Pesquisa documental sobre fontes de acesso público, disponíveis na internet, que reúnem material publicitário e informativo da Bayer sobre o Essure®, normas de regulação pela ANVISA, textos sobre o tema, publicados por agências de jornalismo investigativo, normas e convocatórias para inserção do dispositivo por hospitais públicos no Brasil, artigos científicos e dissertações produzidas sobre tal iniciativa, ocorrida desde 2010 até meados de 2017, quando sua comercialização foi interrompida pela Bayer. Além deste conjunto de documentos, os sites, blogs e grupos de FB criados por usuárias que sofrem com danos da implantação do Essure® no país, também foram incluídos, pois expressam o ativismo social das mulheres que buscam a retirada deste dispositivo de seus corpos, em razão do adoecimento por ele causado. Os descritores usados na busca do material empírico foram: Essure, esterilização ambulatorial, esterilização por histeroscopia e a coleta ocorreu entre dezembro de 2018 a maio de 2019. O material foi lido, organizado, classificado, orientando a análise das circunstâncias sociais que permitiram que tal iniciativa ocorresse em hospitais ligados ao SUS, sem que tal procedimento estivesse disponível como opção contraceptiva devidamente regulamentada na lei.
Resultados/discussão: Tradicionalmente, os temas do controle populacional e da reprodução têm sido articulados a constrangimentos legais e sociopolíticos na direção de ferir a autonomia sexual e reprodutiva das mulheres, em especial, as jovens, negras e pobres. Apresentado como um dispositivo seguro, inócuo e de fácil manejo clínico, a promessa de um objeto permanente que impediria a gravidez sem necessidade de recorrer ao método cirúrgico, foi vendida pelo laboratório farmacêutico Bayer ao staff médico como solução simples, prática e moderna de controle reprodutivo. Aprovado pelas agências reguladoras nos EUA (2002) e Europa (2001), depois no Brasil (2009), os problemas surgidos após quase duas décadas em circulação demonstraram falhas nos processos de avaliação e aprovação de novas tecnologias médicas.
As dificuldades existentes no âmbito do SUS para acesso à contracepção e obtenção da laqueadura tubária, com grande demanda de mulheres que aguardam vagas/leitos para tal procedimento, eletivo, pode ter constituído um cenário propício para oferta de um procedimento novo, menos invasivo, realizado em ambulatórios e que prometia resolver definitivamente angústias femininas com o risco de uma gravidez imprevista. O acompanhamento clínico após a inserção do Essure® se estendia apenas aos três meses posteriores, quando se confirmava o sucesso do procedimento e suspendia-se o método contraceptivo em uso neste período entre implantação e sua avaliação clínica posterior. Após isso, as mulheres ficaram desamparadas, com aparecimento de sintomas e problemas de saúde, a princípio não reconhecidos como decorrentes do Essure®. O entusiasmo médico com o Essure® no Brasil não foi acompanhado de um cuidadoso monitoramento clínico das pacientes que o implantaram, que permitisse identificar e tratar seus efeitos colaterais a médio e longo prazo.
Considerações Finais: O Essure® começou a ser comercializado após curto tempo de realização de pesquisas científicas, valendo-se da fragilidade das normativas de regulação de dispositivos médicos. Em 2018, a Bayer anunciou o fim da sua comercialização nos Estados Unidos. No Brasil, o Essure® foi incluído em práticas de laqueadura em hospitais que integram o SUS, em muitas situações, através de pesquisas clínicas. Este episódio recoloca a discussão a respeito de quem são os sujeitos inseridos em práticas de pesquisas contraceptivas no país, como são selecionados e como a assistência à saúde lhes é assegurada longitudinalmente.
|

|