28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-26A - GT 26 - Gênero, Controle, Aprimoramento e Subjetividades |
31094 - NA BUSCA PELA TESTOSTERONA: UM DEBATE SOBRE ACESSO A ESTEROIDES ANABÓLICOS ANDROGÊNICOS LUCAS TRAMONTANO - IESC-UFRJ
Introdução
Esse trabalho parte de minha pesquisa de doutorado, onde discuti a biografia da testosterona e a construção da masculinidade. Os resultados apontam para a manutenção de certos estereótipos de gênero, numa perspectiva biologicista. Para esse trabalho, faço um recorte focando as questões relativas ao acesso ao hormônio, destacando as principais controvérsias e questionamentos surgidos em campo.
Objetivos
Traçar as controvérsias no acesso à testosterona através dos relatos de homens usuários.
Metodologia
A pesquisa teve por pressupostos teórico-metodológicos o conceito de biografia das coisas de Arjun Appadurai e Igor Kopytoff (2008), adaptado a medicamentos por Sjaak van der Geest, Susan Whyte e Anita Hardon (1996). Utilizei o relato de história de vida, buscando a trajetória de vida da testosterona nos corpos dos sujeitos da pesquisa. O critério de inclusão foi a autoidentificação como homem, de forma que os relatos trazem grande diversidade de marcadores sociais da diferença. Nesse trabalho, faço um recorte privilegiando as discussões em torno do acesso ao hormônio, passando pelo mercado paralelo, pelo serviço público e pela rede privada de serviços de saúde.
Resultados e Discussão
O primeiro passo será onde buscar o hormônio, seja através da consulta médica ou de outros usuários. Todos ressaltaram que deve-se “procurar saber”, “estudar”, “ler”, “pesquisar”, dando a entender que existe de fato um risco em um uso aleatório do hormônio, assim como aumentando seu próprio “capital científico” no que tange à testosterona. Em ambos os casos, o nó crítico é conhecer alguém que toma e seja considerado confiável, para venda direta ou para indicação do médico que aceitará prescrever o hormônio.
Foi mais frequente o relato de escambo de receitas médicas do que a compra direta no mercado paralelo. A receita aparece a partir da mudança na legislação (Portaria SVS/MS 344/98) que dificulta o acesso e, indiretamente, aquece o mercado paralelo, como descrito por Geest, Whyte e Hardon (1996) e Farias, Cecchetto e Silva (2014). Dois pontos foram relevantes sobre a Portaria: a restrição do comércio de anabolizantes de uso veterinário e o limite de cinco ampolas por prescrição, muito preocupante para os trans, corroborando a análise de Almeida e Murta (2013) sobre os entraves no atendimento integral dessa população. A exceção a esse limite de quantidade depende da associação ao CID, e leva à reflexão dos possíveis efeitos da mudança no CID-11 que altera o estatuto patológico da transexualidade.
Há maior conforto no acesso de forma legítima, pelos riscos do mercado paralelo. Além do “calote”, ouvi muito sobre adulteração/falsificação de substâncias; estas não cumprem exigências sanitárias mínimas de fabricação, transporte e armazenamento. Surge a preocupação com a qualidade dos adjuvantes e excipientes da formulação e com a higiene do ambiente de produção e dos materiais de embalagem e envase, assim como os procedimentos farmacotécnicos em si são questionados na ausência de fiscalização e controle de qualidade.
Mais de uma vez, ouvi que o problema decorre de uma “hipocrisia” da sociedade, comparando com “drogas de abuso”. Houve a defesa pela disponibilidade gratuita da testosterona no SUS, numa perspectiva de saúde integral LGBT, tanto por uma questão de qualidade de vida e autonomia sobre o próprio corpo, como por uma política de redução de danos associados ao uso de outras substâncias. Outra menção a substâncias ilícitas veio na denúncia de um tabu acerca do uso de testosterona que impede tanto o controle sanitário quanto um conhecimento real, não estereotipado, do consumo no país, aprofundado pela carência de estudos científicos sobre o tema. Tais pesquisas, quando feitas, tratam o assunto como um agravo de saúde ou um problema criminal, raramente sob a ótica dos usuários, conforme Farias, Cecchetto, Silva (2014).
Considerações Finais
O que fica claro nessa discussão sobre acesso é que, na busca por testosterona, deve-se ter cuidado com os produtos do mercado paralelo, que podem ter consequências fatais. Por outro lado, se feito de forma adequada, o uso de testosterona traz ganhos inegáveis, gerando um aumento de autoestima que leva as pessoas a sugerirem a liberação de um medicamento no SUS mesmo na ausência de um diagnóstico. A associação do uso de testosterona com as chamadas drogas de abuso está presente em diferentes nuances, e a “hipocrisia” é uma palavra amplamente usada para qualificar tais associações. Ainda assim, a compra pela internet ou o escambo de receitas são caminhos comuns, pelos quais a maioria dos usuários passa em algum momento, ainda que haja uma orientação geral, ao menos no discurso, para evitar tais caminhos. É notável que haja uma demanda por maior controle de qualidade e fiscalização, assim como por um maior desenvolvimento do campo científico sobre o uso, num sentido de desmitificar as associações presentes no senso comum e no discurso médico oficial.
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