29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-15B - GT 15 - Saúde e Narrativas de Si |
30585 - BARRIGA ERÓTICA-MENTE CONSTITUÍDA: TENSÕES E ACORDOS ENTRE MEMBROS DO COLETIVO DOS “URSOS”E OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE RAMIRO ANDRES FERNANDEZ UNSAIN - UNIVERSIDAD DE BUENOS AIRES, MARIANA DIMITROV ULIAN - USP, PRISCILA SATO - USP, MAYARA SANAY - USP, FERNANDA SABATINI - USP, FERNANDA BAEZA SCAGLIUSI - USP
Introdução
Nesta investigação pretendemos que os indivíduos homossexuais autodenominados “ursos” falem por si mesmos. Segundo pesquisas feitas nos Estados Unidos, as comunidades homoafetivas de “ursos” apresentam uma série de especificidades que as distinguem de outros coletivos “gays”. Para Wright (1997), um “homossexual urso” pode ser e representar uma simples atitude, uma imagem de si mesmo projetada aos outros, um ícone “gay” ou todas essas construções interagindo em concordância. Entretanto, duas de suas características se destacam prontamente: barriga protuberante e pelos abundantes no corpo inteiro tentando, através desse corpo, apresentar uma figura masculina. Nesse sentido, o “urso” parece estabelecer uma identidade contrastante com outras sexualidades ao contestar os aspectos estético-éticos de diversas comunidades homoafetivas. Sabe-se que as práticas alimentares não estão isoladas dos seus próprios contextos: estabelecem-se em relação às dimensões de tempo, doença, saúde, afeto, cuidado, economia e socialização; e articulam-se em rede. Um “urso”, como todo sujeito ou coletivo inserido na sociedade, atravessa diferentes tipos de processos sociais, relacionados à alimentação, com consequências nos processos de saúde-doença. Nesta apresentação o foco será estabelecer que tipo de relação os “ursos” estabelecem com os profissionais da saúde, especialmente aqueles mais relacionados com patologias possivelmente relativas à uma suposta epidemia de obesidade.
Objetivos
Investigar neste grupo específico a diversidade de reações e atitudes diante das propostas, supostamente hegemônicas e saudáveis, quanto à alimentação e à saúde.
Observar e descrever as maneiras como dialogam e se intersectam as dimensões de sexualidade, gênero, alimentação e saúde neste coletivo em dialogo com os profissionais da área da saúde.
Métodos
Pesquisa qualitativa de cunho etnográfico com observação participante e não participante. Também se utilizaram fontes secundárias -registros etnográficos realizados por outros pesquisadores, mas não limitados a eles– nas quais se expressam as relações de sentido relativas ao nosso trabalho. Amostra de 35 pessoas. Todas elas foram entrevistadas através de duas estratégias: uma entrevista de historia de vida e uma entrevista semiestruturada. Os sujeitos foram questionados quanto ao seu peso corporal e altura autoreferidos. Também foi usada a Escala de Silhuetas Brasileiras. O consumo alimentar foi estimado por meio de um questionário de frequência.
Resultados e discussão
Os ursos se pensam a si mesmos como uma comunidade que se diferencia de outros grupos de sexualidades dissidentes. Desde seu olhar, estas diferenças se estabelecem através de uma atitude “masculina”, um corpo gordo ou com sobrepeso e uma barriga mais ou menos protuberante -todavia sempre presente- assim como a presença de uma grande quantidade de pelos. O estado de saúde autopercebido indica uma preocupação com a saúde verbalizada através das doenças que, a futuro, podem aparecer. A periodicidade dos exames de saúde foi como um elemento interessante, já que a maioria dos participantes da pesquisa faz pelo menos um exame de sangue por ano. No entanto, parece não haver uma relação entre esses exames e as decisões concretas no sentido de alterar hábitos alimentares. O sobrepeso é percebido como um assunto que provoca problemas, alguns deles sérios. A ideia de peso e como esse elemento afeta o cotidiano dos sujeitos está sempre presente. Todavia e importante pensar que esse indicador parece ser vivido como um elemento identitário que perpassa a ideia numérica ordinal para se converter num rasgo diacrítico. Aparece como um dado relevante a revalorização de um corpo que não responda às propostas hegemônicas do suposto dever ser da comunidade “gay”. As práticas alimentares e o consumo alimentar tem um denominador comum: abundância; que se manifesta nas ocasiões em que a comensalidade entre pares acontece. Nesse contexto, a intervenção dos profissionais da saúde consultados por eles para resolverem problemas relativos ou não ao sobrepeso e reportada pelos interlocutores como conflitiva e contraditória com a ideia da construção de um corpo para outro; de um corpo para pertencer. A gramática normativa de cardiologistas, clínicos e nutricionistas interfere no próprio processo identitário criando situações dilemáticas tensas e contraditórias.
Considerações Finais
Um determinado tipo de corpo, certas “práticas alimentares” e uma “masculinidade hegemônica”, entre outros aspectos, parecem construir o cenário que decidimos apresentar de forma simplificada por questões de espaço. A manutenção ou construção de um corpo que tem a ver com ou pertencimento (ou não pertencimento) a uma determinada comunidade oferece novos desafios e nos leva a refletir sobre a relação ainda pouco estudada entre a identidade de uma comunidade que pratica uma sexualidade dissidente e os profissionais de saúde.
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