29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-28D - GT 28 - Saúde, Currículo, Formação: Experiências, Vivências, Aprendizados e Resistência Sobre Raça, Etnia, Gênero e Seus (Des)Afetos: Formação |
30402 - VIVÊNCIAS, ESTRANHAMENTOS E PERSPECTIVAS: NARRATIVAS DE INDÍGENAS NA GRADUAÇÃO DE MEDICINA WILLIAN FERNANDES LUNA - UFSCAR, ELIANA GOLDFARB CYRINO - UNESP
Introdução: As graduações de Medicina estão longe de contribuir para atuação em contextos interétnicos e interculturais, sendo restritas as experiências de abordagem e de inserções em comunidades indígenas. Reflexo disso é o despreparo para lidar com especificidades que vão para além das questões que dizem respeito à recuperação estrito senso da saúde, como, por exemplo, organizações sociais e culturais que implicam práticas e saberes próprios de cuidados com o corpo individual e coletivo. Nesse contexto de questões interculturais, historicamente há pouco acesso para que os indígenas adentrem o ensino superior, formando poucos profissionais de saúde que sejam destas comunidades. Nos últimos anos, algumas estratégias foram sendo criadas para que o direito de acesso ao ensino superior fosse garantido aos indígenas, tais como programas de inclusão e de ações afirmativas, possibilitando que alguns cursassem formações da área da saúde. Observando especificamente os estudantes de Medicina no Brasil, nos afastamos ainda mais da presença de indígenas, já que em grande parte são brancos, oriundos de escolas privadas e com renda familiar elevada. Objetivos: Discutir parte dos resultados de uma pesquisa de doutorado que busca compreender a experiência da trajetória e da vivência de estudantes indígenas nos cursos de graduação em Medicina de faculdades públicas no Brasil, com foco nas narrativas. Metodologia: Pesquisa exploratória de abordagem qualitativa. A partir do método Bola de Neve foram identificados indígenas que cursam graduação em Medicina em 15 diferentes instituições brasileiras. Foram realizadas entrevistas narrativas, de forma presencial e individual, com uma parte destes estudantes. Na análise temática de conteúdo foram realizados os procedimentos de categorização, inferência, descrição e interpretação, que não ocorreram de forma sequencial. Resultados e discussões: Foram visitados 7 cursos de Medicina e realizadas 11 entrevistas. Estas instituições estão localizadas em 4 das 5 regiões geográficas brasileiras (à exceção do Nordeste). Quanto aos povos e regiões de origem, estes indígenas são de diversas etnias e das 5 regiões. Nas narrativas analisadas, os estudantes recriam histórias vivenciadas em suas comunidades e que provocaram o seu interesse em cursar Medicina. Estas experiências são de contato com a biomedicina e com saberes tradicionais ligados aos cuidados tradicionais de seus povos. No âmbito das visitas realizadas, grande parte relatou que foram bem acolhidos nas instituições, no entanto, inseridos no contexto universitário, sentem-se estrangeiros, aproximando-se mais dos outros estudantes indígenas do que dos de Medicina. Percebe-se que para manutenção nos cursos, a grande maioria recebe bolsa permanência e alguns têm outros benefícios específicos, o que favorece a superação da dificuldade financeira. Estratégias de tutoria e acompanhamento pedagógico estão pouco estruturados na maioria destas instituições. Nesse processo de reafirmação da identidade e da militância por direitos dos povos originários, alguns descrevem que depois de inseridos na Universidade sentiram-se ainda mais identificados como indígenas, pois neste espaço tiveram mais contato com outros povos. A presença destes estudantes no curso de Medicina também traz a possibilidade de oportunizar a discussão sobre a história e cultura indígena com todo o grupo de estudantes, além de avançar para discussão sobre outras formas de compreensão sobre o processo saúde-doença, no entanto, essas construções nem sempre acontecem. Para os estudantes, há grande desconhecimento dos docentes e corpo técnico administrativo sobre como colaborar para os processos de permanência, desenvolvimento pedagógico e construção intercultural de saberes. Como perspectivas de futuro, apontam possibilidades de atuação em áreas indígenas, tanto em sua comunidade de origem ou outras, em hospitais que são referências para Saúde Indígena e em atividades de formação médica, ressaltando com compromisso identitário. Considerações Finais: As narrativas destes estudantes trazem vivências destes indígenas em suas comunidades originárias, relacionadas aos cuidados em saúde; experiências em estar no curso de Medicina, quando se sentem em um ambiente estranho a eles; e perspectivas de atuação futura, ligadas principalmente ao campo da Saúde Indígena. Conhecendo as experiências destes estudantes no meio universitário, torna-se possível contribuir para a sua permanência nos cursos de Medicina brasileiros ao valorizar suas potencialidades, reconhecer suas fragilidades e possibilitar formas de supera. Dessa forma, a inclusão de indígenas nos cursos de Medicina possibilita uma tentativa de superação da exclusão dessas populações nos processos formativos e pode trazer diversidade para o universo do estudante de Medicina, aproximando outras formas de pensar o processo saúde-doença.
|

|