28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-12A - GT 12 - Cenários, Questões e Pontos de Partida |
30146 - LINHAS DE EXISTÊNCIA, LINHAS DE RESISTÊNCIA - OS MAPAS SÃO FRONTEIRAS DE COMUNICAÇÃO CONTRA O PROJETO COLONIAL ADRIANO DE LAVOR MOREIRA - FIOCRUZ
O poder colonial se atualiza por meio de estratégias simbólicas e da construção de ferramentas que sustentam sua legitimidade ao longo do tempo. No século XXI, uma destas estratégias de atualização é o gerenciamento da visibilidade. Em tempos de sociedade midiática, estar visível é condição de reconhecimento de sujeitos, grupos e territórios, e, muitas vezes, determinante para sua própria existência.
Para a manutenção do colonialismo, a visibilidade é um dos fatores que determina e naturaliza a construção de uma linha imaginária que divide de um lado os que são visíveis – existentes, relevantes e, portanto, integrados ao projeto colonial de poder – e, de outro os invisíveis – inexistentes, irrelevantes e excluídos. Entre outros produtos, práticas e dispositivos de comunicação que mantêm ativa esta estratégia de atualização colonial se encontram os mapas.
A produção de um mapa é um “comprovante de realidade” de um projeto político, que determina, entre outras questões, a sua extensão territorial e seu domínio, a delimitação de fronteiras, a sua potencialidade econômica, bem como a localização e distribuição de sua população. Em outras palavras, é um documento que retrata o que (e quem) está(ão) incluído(s) (e em que condições) – e, por conseguinte, o que está fora, do outro lado da linha, na zona de invisibilidade.
A não representação das Terras Indígenas nos mapas político-administrativos do território brasileiro reforça um processo de desqualificação do papel político dos povos originários do país, alijando-os do exercício de seus direitos. Em contrapartida, iniciativa recente que utiliza ferramenta tecnológica de geolocalização (Google Earth) para dar visibilidade a mapas interativos das terras indígenas abre espaço para discussão sobre o uso dos mapas como estratégia de comunicação que promova visibilidade de fronteiras, ampliando os limites de interlocução entre aqueles que se encontram invisíveis na cartografia oficial.
As palavras “resistência” e “existência” têm sua origem na palavra latina “sistere”, cuja tradução para o português se aproxima de “ficar firme, manter a posição”. Enquanto “existir” deriva de “ex(s)istere” (sair de, elevar-se de; nascer, provir de, manifestar-se, mostrar-se), “resistir” utiliza acrescenta “re” (para trás, contra). Refletindo sobre a origem e o uso destas palavras no cotidiano, podemos situar de um lado o sujeito “contemporâneo”, integrado à sociedade metropolitana, que se apoia no paradigma regulação/emancipação; de outro, o sujeito “atrasado” da sociedade colonial, que vive sob a égide da apropriação e da violência. O primeiro, existente; o segundo, inexistente. Entre os dois, uma linha abissal que decreta a validade de suas próprias condições.
É na tensão desta linha de fronteira em que localizo o potencial de comunicação e de “resistência”. Tanto partindo de um lado, quanto de outro. Ambos estes sujeitos são resistentes; ambos por questão de sobrevivência. O inexistente opera na resistência para se opor aos mecanismos que negam sua inclusão ao mundo do conhecimento, do direito e do conhecimento, ou seja, ao mundo da regulação e da emancipação. Resiste por reconhecimento. O existente resiste para defender sua condição privilegiada e não sucumbir ao outro lado da linha, para não se sujeitar aos ditames da apropriação e da violência.
Resistência é uma linha fluida de fronteira, de embate, permanente conflito e troca de conhecimentos. É uma fronteira de comunicação. É neste ponto onde se situa a sua fragilidade e a sua fortaleza. A partir do que propõem as epistemologias do Sul, penso no potencial transformador que existe neste local de resistência, que pode ser encarada como atitude, mas também como estratégia e local de enfrentamento de ideias.
Os índios brasileiros vêm sobrevivendo há séculos na invisibilidade forçada de quem não os quer existentes – e muito menos resistentes. Esse lugar de fala e de vida negados geraram uma força incomparável para todos. Negam-lhes a presença em mapas, em fotografias, em programas de televisão. Negam-lhe o direito de existir e de resistir em sua própria história. Eles se recriam, renascem e continuam – na resistência.
O potencial resistente da comunicação feita por índios se reflete na representação de seus territórios em mapas virtuais. Se por um lado ocupam os “espaços”, por outro propõem os mapas como instrumentos de negociação, de tensionamento e, portanto, de comunicação. Um local onde parece ser possível um diálogo horizontal, que permita um novo “existir”: sair de; elevar-se de; nascer; provir de; manifestar-se; mostrar-se. Uma existência resistente; uma resistência que amplie a existência.
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