28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-12A - GT 12 - Cenários, Questões e Pontos de Partida |
30496 - A DOR E A DELÍCIA DE DESCOLONIZAR: A EXPERIÊNCIA DE UMA LINHA DE PESQUISA, ORIENTAÇÃO E ENSINO SOBRE COMUNICAÇÃO E DESIGUALDADE SOCIAL. INESITA SOARES DE ARAUJO - FIOCRUZ
A descolonização da prática científica e acadêmica está no cerne das preocupações dos que entendem a necessidade premente de rever o modo pelo qual as sociedades contemporâneas reconhecem (ou não) a legitimidade dos vários modos de produzir e integrar conhecimentos. Nos termos das Epistemologias do Sul, propostas por Boaventura Santos, esse modo resulta de cinco lógicas de produção de inexistência, inerentes às sociedades modernas, às quais deveriam ser contrapostas cinco ecologias – do reconhecimento, das temporalidades, da produtividade, dos saberes e das escalaridades. Embora comumente se associe o problema da legitimidade do conhecimento à lógica da monocultura do saber e à correspondente ecologia dos saberes, todas as lógicas e ecologias estão de algum modo relacionadas com o processo social que determina quem detém a prerrogativa de dizer o que é certo e errado, justo ou injusto, atual ou obsoleto etc. Esse processo tem uma forte dimensão comunicacional, que vem sendo ignorado, inclusive pela maioria das pessoas que militam por essa mudança de valores na sociedade. Assim, as poucas iniciativas sistemáticas na Saúde Coletiva em torno da descolonização das práticas sociais, no âmbito da pesquisa e ensino, localizam-se quase todas na área da educação popular.
Proponho apresentar ao GT “Direitos Humanos e descolonização da comunicação” algumas reflexões extraídas da experiência de implantação de uma linha de pesquisa, ensino e orientação calcada na relação entre a comunicação e a desigualdade social. A linha iniciou sua conformação há cerca de 16 anos, no âmbito de cursos de especialização, desde 2007 no âmbito da pós-graduação estrito senso e, a partir de 2015 – após um estágio pós-doutoral com supervisão do Prof. Boaventura Santos – afirmou-se filiada à perspectiva descolonizante do pensamento e da prática social, especificando-se para o campo da saúde, por meus vínculos institucionais.
Quantitativamente, a experiência traduz-se em alguns números:
- disciplinas de comunicação sob uma ótica descolonial, com ênfase sobre seu lugar na produção das desigualdades sociais, em dezoito cursos de especialização, quatro mestrados (sendo dez turmas em um dos mestrados), três disciplinas específicas no tema (mestrado e doutorado);
- orientações de pesquisas enfocando a comunicação como lugar de produção das desigualdades e em parte ancorando-se em conceitos do pensamento descolonial, sendo nove de especialização, quatro de mestrado, oito de doutorado (duas ainda em andamento);
- coordenação de sete pesquisas, incluindo as minhas de mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Aqui tomarei o período a partir de 2009, com a implantação do PPGICS – Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde, embora a experiência anterior esteja presente de muitos modos.
Pretendo apresentar e discutir:
1) Os parâmetros necessários ao processo de orientação, que estão referidos: aos temas (qualquer tema pode ser pensado à luz do pensamento descolonial? Ou a própria escolha do tema já supõe um olhar descolonial, restringindo-se as possibilidades de escolha?); aos sujeitos de pesquisa (devemos nos circunscrever aos sujeitos historicamente espoliados de seus direitos, ou é possível em qualquer setor de atividade ou da sociedade perceber a existência de sujeitos colonizados e colonizadores?); às abordagens teóricas (autores descoloniais? Como se pode definir assim um autor? Quem tem esse poder, o próprio autor? É possível considerar um autor descolonial se ele mesmo não se viu dessa forma?); aos procedimentos metodológicos (como se pode definir uma metodologia como descolonial ou, pelo contrário, como ratificadora de uma visão colonialista da produção dos conhecimentos? Metodologias são neutras, dependem de como são utilizadas, ou há parâmetros possíveis para definir seu estatuto?)
2) O fato da abordagem colonial se contrapor a cânones estabelecidos da ciência ocidental e do fazer acadêmico no qual nos formamos e operamos já é um grande desafio. Mas, queremos destacar no debate algumas dificuldades que enfrentamos para viabilizar as atividades em pauta, entre os quais: o imperativo de evitar as limitações do que se vem denominando pesquisa militante, especialmente a tendência em transformar a pesquisa – processo de produção de conhecimentos – em um processo de validação de percepções pré-estabelecidas, sob a justificação política; o risco da experimentação metodológica, que corremos por não querer operar apenas com metodologias consagradas em outro enquadramento epistemológico; as frequentes armadilhas que nos põem as hegemonias, sob a forma de naturalização dos conceitos, métodos e epistemologias; a descrença dos alunos quanto à real possibilidade de aplicação concreta das premissas em práticas comunicacionais, devido à dominância de outra forma de ver a comunicação.
Minha expectativa é que, com essas questões e experiência, possa encontrar interlocutores e contribuir para o debate da descolonização da comunicação.
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