30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-12D - GT 12 - Direitos Humanos e Descolonização da Comunicação |
31129 - O CONHECIMENTO DOS OUTROS: A DEFESA DOS DIREITOS (HUMANOS) EPISTÊMICOS E DA DESCOLONIZAÇÃO DA EPISTEMOLOGIA SANITÁRIA FRAN DEMÉTRIO - UFRB, HILAN NISSIOR BENSUSAN - UNB
Seriam os direitos epistêmicos direitos humanos? Se há direitos epistêmicos, e estes são uma das duas preocupações centrais desta pesquisa, conhecer não é apenas promover o atrito entre convicções ou opiniões de um lado e a verdade e a justificação de outro. Se não é assim, é como se não houvesse justiça a ser administrada quando nossas opiniões e convicções ficam atravessadas de opiniões e convicções dos outros. É como se o epistêmico fosse fechado em si mesmo e nenhum outro direito pudesse atravessá-lo. Por outro lado, se há direitos epistêmicos, uma outra imagem do conhecimento deve sustentá-los. Esboçar esta outra imagem é a outra preocupação central deste trabalho. Trata-se de estudo teórico que pretende introduzir essas discussões sobre justiça epistêmica articulando com a noção de direitos (humanos) epistêmicos e de ecologia de saberes. Procuramos alinhavar uma imagem geral do conhecimento onde lembrar, intuir, perceber e inferir constituem direitos – não intransponíveis ou inegociáveis, mas, inalienáveis no sentido de que não podem ser desconsiderados por atos de conhecimento. O conhecimento dos outros é um insumo de qualquer ato de conhecimento. Nesta imagem, o conhecimento nunca se dá em um ambiente de ignorâncias, em uma estaca zero epistêmica. Todo conhecimento se dá em um ambiente epistêmico já rico de convicções e opiniões e, também, de inferências, de percepções, de lembranças e de intuições. Dito de outro modo, já há, nesta imagem, direitos epistêmicos a serem considerados quando o conhecimento começa a ter lugar. Estes direitos, proporemos, podem ser entendidos como direitos humanos. Se de um lado a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) dispõe nos Artigos 18º e 19º o direito à liberdade de produção e exercício do conhecimento e modos de pensar, de outro, os estudos pós-coloniais e sobre a decolonialidade do pensamento, bem como os estudos e intuições sobre a percepção e a memória na dissidência de gênero e no feminismo negro têm contribuído de forma crítica e significativa à reflexão acerca das injustiças epistêmicas. Estes estudos começam a revirar a lama interna do epistêmico: o direito à opinião e à convicção são direitos doxásticos (ou culturais, ou religiosos) e deles não decorrem garantias acerca de tomadas de posições epistêmicas. Não basta dizer que cada um pode ter as convicções ou opiniões que quiser, os direitos epistêmicos tratam do direito destas convicções de serem ativamente levadas em consideração nos atos de conhecimento e de comunicação. Isto é, procedimentos de justificação, por exemplo, não podem proceder como se o que é epistêmico fosse como um deserto ou uma terra incógnita a ser colonizada ao invés de uma floresta abundante de alternativas. Tratar direitos epistêmicos como direitos humanos é tratar cada pessoa como capaz de ter conhecimento. Ninguém está na completa ignorância. Assim como os humanos nascem com uma bagagem de direitos, segundo os discursos acerca dos direitos humanos, eles vivem em um ambiente epistemicamente rico. Conhecer, assim, é antes um ato em um ambiente de conhecimentos – e a epistemologia é uma ecologia de saberes antes de ser uma engenharia. Nesse sentido, esse trabalho faz parte de pesquisa de estágio pós-doutoral da primeira autora, realizado no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade de Brasília, cujo objetivo é ampliar os horizontes pluriepistêmicos dos estudos em saúde coletiva, em especial das ciências sociais e humanas em saúde, a partir da estética e epistemologia da subalternidade de uma professora e pesquisadora transgênera e negra, que estuda a saúde coletiva em interface com a filosofia, a partir da contribuição da noção de injustiça epistêmica e de opressão epistêmica como arena fértil para entender diversos fenômenos sociais e políticos trazidos à baila pelo feminismo, pelos estudos da transgeneridade (estudos trans e travestis) e da teoria Queer, pelos estudos (de)coloniais e étnico-raciais e pelos estudos da incapacidade, como também para integrar estes fenômenos em uma imagem das práticas epistêmicas vigentes. A pesquisa se concentra também em áreas específicas, como a influência da ilegitimidade de certos discursos sobre saúde e doença nos processos de comunicação e nas políticas públicas de promoção da saúde. Para tanto, parte-se de abordagens teóricas desenvolvidas recentemente no ramo da Epistemologia Social que tratam da moralidade das nossas práticas epistêmicas cotidianas e gira em torno da noção de injustiça epistêmica.
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