28/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-27A - GT 27 - Experiências Inovadoras na Atenção Psicossocial |
30037 - PODE UMA CLÍNICA (RE)PRODUZIR NELA MESMA OS SINTOMAS A QUE SE PROPÕE CURAR? UMA EXPERIÊNCIA DE REORDENAMENTO DAS DEMANDAS DE SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA RAUL TORRES AÇUCENA - UFRN, IASMIN SHARMAYNE G. BEZERRA - UFRN
Observamos um crescente aumento da visibilidade do papel do psicólogo com os modos de consumir saúde mental divulgados pelos mass media do tempo em que vivemos, no entanto os dispositivos do SUS ainda têm dificuldade de atender a essa nova demanda, o serviço ambulatorial local conta com apenas dois psicólogos para atender os encaminhamentos da rede local e o modelo clínico individual da maioria dos profissionais que chegam nas diversas frentes do serviço (NASF, ESF, ambulatório, etc) não consegue abarcar a quantidade de demandas, gerando filas de dois anos, como no caso do ambulatório, ou deixando grande parte da comunidade desassistida. Não se parte aqui, por outro lado, de um ideal de zerar ou resolver a demanda, mas de uma questão que se coloca aí na disparidade entre as necessidades de cuidado dos usuários e as ofertas do serviço: até que ponto essa oferta clínica individualizante contribui para a saturação da rede, e que possibilidades uma psicologia pode construir para além da representação do psicólogo de consultório?
Foi pensando nisso que surgiu a ideia de se instituir um espaço de fala coletivo que visasse a acolher essa demanda de saúde mental, ora direcionada ao psicólogo, ora ao psiquiatra, entendendo-a como algo atravessado pela circulação de informações do nosso tempo e por discursos medicalizantes, higienistas, reificantes, atuar sobre essa demanda visando modificá-la, a começar por furar desses lugares de poder (o psicólogo, o psiquiatra) a centralização que lhes é conferida no que se apreende por produção de cuidado e saberes em saúde mental, abrindo espaço para a inserção de profissionais de outras áreas e principalmente o papel do usuário como alguém que sabe (e fala) de si. Com isso, se espera produzir um reordenamento da relação do usuário com aquilo que está demandando da rede e um reposicionamento que não tem como deixar de ser político, diante de si e diante de outro do serviço - ora o profissional de saúde, ora as secretarias, o governo, o SUS.
O projeto parte de uma iniciativa dos profissionais de uma residência multiprofissional na atenção básica do município de Currais Novos, no Seridó norte-riograndense, inseridos em unidades básicas de saúde, e vislumbra dois eixos de atuação para a execução do que se propõe, um com as equipes dos serviços, e outro com os usuários que é a instituição do próprio espaço em si. Vem sendo executado desde Março de 2019.
Dessa forma inserimos na proposta de capacitação em saúde o eixo que visa distribuir a responsabilidade de cuidado em saúde mental entre os demais profissionais da equipe, através de palestras e rodas de conversa que trazem para a discussão os modelos adotados de cuidado, as relações de poder existentes e a lógica de oferta de serviços e sua relação com a saturação da rede, tendo no horizonte sempre um fundo de reorientar a relação com o usuário, com a comunidade e com a rede. Isso vem permitindo uma nova relação da equipe com essas demandas que chegam, fazendo ressaltar os atravessamentos sociais e políticos que costumam ficar sempre à sombra de um diagnóstico, ampliando a capacidade de escutar e perceber o usuário mesmo naquilo que nele faz reclamar seus direitos e sua condição de silenciamento, percebendo um efeito de reposicionamento da equipe mesmo dentro da rede e dos eventos da gestão - entendendo que o engajamento político é uma responsabilidade do trabalhador em saúde e que ele se dá a partir da circulação dos discursos, do fazer-se questionar e fazer-se ouvir.
A instituição do espaço contou logo de início com a resistência dos profissionais dos serviços no que diz respeito a espaços coletivos: a frustração pela falta de adesão. Tratamos isso pondo em questão a adesão enquanto nosso desejo: queremos fazer aderir ou fazer descolar? Percebemos a experiência antes como um exercício constante de desindividualizar a prática, em que mesmo a resistência do usuário é levado em conta como parte do processo, e tratamos a coletivização antes como efeito do nosso trabalho que como ideal de sucesso. Da mesma forma o caráter terapêutico tão caro a representação da saúde e da demanda mesmo dos usuários foi tomado como um efeito possível, considerando que enquanto requisito da prática pode levar a anestesia dos afetos - e que o desconforto às vezes seja necessário para a conquista da autonomia e de um devir político.
Dos discursos que emergem no coletivo observamos uma “adesão”, por outro lado, muito forte a significantes-chave do nosso tempo como “depressão” e “ansiedade”, numa lógica que tampona a produção subjetiva destes usuários e sua capacidade de falar de si e nomear o que em si se faz angústia, e atuamos no sentido de permitir e dar lugar para que essa produção (e nomeação próprias) ocorram, reposicionando os afetos e tratando-os menos numa representação de doença e mais no caráter de laço com o mundo que nos atravessa a todos de uma forma singular e, ao mesmo tempo, coletiva.
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