28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-6A - GT 6 - Cidade, Subjetividade e Práticas em Saúde |
30200 - ENCONTRANDO TESOUROS NO TERRITÓRIO: AGENTES COMUNITÁRIAS DE SAÚDE EM CENA FERNANDA MARIA PACHECO DE RESENDE - UNIFESP, STELLA MARIS NICOLAU - UNIFESP
Introdução: Na minha atuação profissional, como psiquiatra do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), dar apoio ao trabalho das agentes comunitárias de saúde (ACS) faz parte da minha função. Os momentos de discussões são oportunidades de aprendizado mútuo e essenciais a esse trabalho. Pensando na ampliação desses espaços, nos quais as trocas de experiências e saberes acontecem de forma mais livre e horizontalizada, optamos por realizar a pesquisa através da realização de oficinas com as ACS, como atividade de Educação Permanente em Saúde, utilizando o cinema como um elemento ativador de reflexões, problematizações, afetos e experiências.
Objetivos: produzir dados que possibilitem ampliar o conhecimento sobre a produção do cuidado em saúde realizado pelas ACS e sobre a repercussão desse trabalho em suas vidas.
Metodologia: optamos pela metodologia cartográfica, método desenvolvido a partir das ideias de Deleuze e Guattari, que tem sido utilizada em pesquisas de campo voltadas para o estudo da subjetividade. Essa metodologia pressupõe que o conhecimento do mundo não se dá apenas por representação e nem de forma dualista, opondo conceitos como sujeito/objeto, externo/interno, conforme o paradigma científico moderno. Dessa forma, foram realizadas quatro oficinas de cinema com onze agentes comunitárias de saúde de uma Unidade Básica de Saúde da cidade de São Paulo. Nas oficinas, era exibido um filme e depois realizada uma discussão com gravação do áudio. A partir das transcrições do áudio e diário de campo da pesquisadora, foram escritos relatos de cada oficina. Os filmes utilizados nas oficinas foram “Nise, o coração da loucura”, “Crack, repensar”, “Precisamos falar sobre Kevin” e “E se vivêssemos todos juntos?”.
Resultados e Discussão: a partir dos dados produzidos, foram feitas algumas reflexões sobre temas que surgiram nos encontros com grande intensidade. Metas e produtividade das ACS: a definição de metas de produtividade, valorizando-se a quantidades de visitas e aplicação de questionários pré-fabricados tendem a automatizar e desumanizar a ação do ACS, contribui para a captura da atuação dessas profissionais e despotencializa seu trabalho.
Sofrimento mental: as participantes trazem claramente o reconhecimento do sofrimento mental e afirmam que “quase todas estão doentes”. Diversos fatores aparecem nos discursos como importantes para esse adoecimento: sensação de impotência diante das necessidades da comunidade, desvalorização e falta de reconhecimento do ACS pelos outros profissionais do serviço, a falta de apoio, tanto técnico como emocional, dentro da equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF), o contato com situações de violência, desamparo, más condições de vida e extrema vulnerabilidade dos pacientes.
Profissão de mulheres: historicamente, o feminino está associado ao materno, ao cuidado, e embora no atual contexto social isso já tenha sido muito questionado, o papel da mulher, como aquela que cuida, ainda permanece na sociedade, na constituição das famílias e profissões. O estabelecimento dessa profissão se deu em concomitante com o fortalecimento das políticas neoliberais no Brasil, com menor intervenção do estado na saúde e relações de trabalho mais precárias de trabalho.
Hierarquia e relações de poder na ESF: o processo de trabalho da ESF se estrutura de forma rígida e hierarquizada, com pouco fator de transversalidade dentro das equipes, e isso implica no sentimento de solidão ao lidar com as demandas dos pacientes e aumenta a dificuldade na produção do cuidado.
O território: embora a proximidade da comunidade amplie sua capacidade de compreender e compartilhar as suas experiências, isso as coloca em uma posição de excessiva proximidade com seus pacientes, com perda de espaço de sua privacidade e de seus momentos de descanso e de lazer.
O que pode um filme? Os processos desencadeados: reflexão sobre a própria prática e sobre a população atendida; discussão sobre os limites de cada profissional; “técnica da ACS”(tecnologia relacional); possibilidade de falar sobre assuntos pessoais e profissionais e ser acolhida pelo grupo; reflexão sobre as relações no trabalho; possibilidade de conhecer outras formas de viver, enriquecer sua prática e sua vida; troca de experiências profissionais entre as participantes; possibilidade de vinculação com outras profissionais do próprio serviço e sentimento de grupo.
Considerações finais: a partir das análises, foi possível observar que essas oficinas realizadas com cinema permitiram a reflexão sobre o processo de trabalho, sobre as relações com outros profissionais e com as famílias atendidas e também permitiram que se expressassem quanto às dificuldades e possibilidades no seu cotidiano de trabalho. Dessa forma, a oficina de cinema demonstrou ser uma possível ferramenta a ser utilizada na Educação Permanente em Saúde, além de oferecer um espaço de vínculo entre as profissionais, com possibilidade de escuta e acolhimento para suas angústias.
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