28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-6A - GT 6 - Cidade, Subjetividade e Práticas em Saúde |
30268 - EXPERIÊNCIAS URBANAS DE MULHERES PROFISSIONAIS DO SEXO ANDERSON ANDRADE - UNP, MAGDA DIMENSTEIN - UFRN
Apresentação e objetivos
Esse trabalho objetiva discutir a relação cidade-experiências urbanas de mulheres profissionais do sexo que trabalham nas ruas. Nesse sentido, pretendemos apresentar os principais resultados dessa investigação em torno dos seguintes eixos: 1. A comercialização do sexo na paisagem urbana, modos de uso da cidade e fronteiras estabelecidas pelas mulheres; 2. Experiências e afetos vividos no cotidiano; 3. Trabalho na rua e saúde - o espaço urbano como elemento de vulnerabilização e/ou de potência. Nosso interesse foi nos aproximar das experiências de trabalho nas ruas e investigar a emergência de agenciamentos que problematizam as dinâmicas de assujeitamento das mulheres às construções sociais hegemônicas sobre a comercialização do sexo. Além disso, consideramos que a diversidade de práticas de comercialização do sexo e as vulnerabilidades que emergem da atividade que ocorre nas ruas são elementos fundamentais a serem discutidos no âmbito da saúde coletiva no intuito de promover cuidado à saúde de forma integral e culturalmente sensível, levando em consideração a relação cidade-gênero.
Metodologia
Optamos por utilizar uma metodologia na qual as relações entre a cidade, experiências urbanas e a comercialização do sexo pudesse ser apreendida no espaço de sua produção. Desse modo, nos propomos a desenvolver uma Etnografia Urbana (Magnani, 2002) como estratégia principal na produção de dados. A pesquisa se desenvolveu em três polos conhecidos de prostituição de rua em uma cidade do nordeste brasileiro, durante o período de 15/12/2017 a 10/04/2018. Por meio dessa estratégia, buscamos uma inserção na cidade interrogando os limites entre o vivido e o concreto construído, a partir da concepção de porosidade de Benjamin (1987). O cenário observado nos remete à cidade capitalista espetacularizada, marcada pela proliferação de imagens que convocam o consumo dos lugares, dos objetos e dos corpos, a produção de excessos que demandam de seus habitantes diferentes estratégias de enfrentamento.
Resultados
A cidade apresenta-se como território complexo que gera experiências singulares. A inserção da mulher profissional do sexo no espaço urbano, utilizando a rua como lócus e instrumento de trabalho faz emergir um espaço de tensão e jogos de poder. É uma atividade muito heterogênea e está atravessada por um conjunto de forças macro e micropolíticas, por marcadores de gênero, raça e classe. Quando desenvolvida por mulheres cisgêneros, identificamos uma subversão das expectativas sociais. A mulher profissional do sexo não se enquadra no ideal de mulher, mãe, do lar. Estigmatizadas, são postas em um campo produtor de vulnerabilidades. Inegavelmente, estamos diante de uma modalidade de trabalho precarizada, que pelos atravessamentos morais e de gênero, inserem essa profissional no âmbito da cidade (rua) de uma maneira distinta. A comercialização do sexo na cidade promove repulsa nos moradores locais que não utilizam esses serviços. As profissionais do sexo que trabalham nas ruas enfrentam resistências e são resistentes, pois, apesar das inúmeras situações de violência e discriminação, elas permanecem na rua para desenvolver sua atividade de trabalho. Os motivos que as fazem ficar nas ruas são diversos, mas o que prevalece é o acesso a uma remuneração autônoma e sem necessidade de qualificação. Observamos mulheres, mães, esposas, de classe social menos favorecida, expostas às situações arriscadas que vão muito além da infecção por doenças sexualmente transmissíveis, temática recorrentemente abordada quando se trata dessa atividade no campo da saúde. No cotidiano, essas mulheres se organizam, negociam o espaço, desenvolvem o trabalho, se relacionam com a comunidade e clientela, traçam redes de apoio e cuidado. Identificamos diferentes usos da cidade, na escolha dos lugares, na circulação e uso dos espaços fora do ambiente de trabalho. Para essas mulheres, a rua é espaço de liberdade e aprisionamento. O desejo pelo anonimato, a descaracterização das vestes do trabalho para circular em outros espaços, indicam uma cidade que não acolhe essa atividade e produz experiências de sofrimento que as tornam vulneráveis.
Conclusão
A exposição das mulheres profissionais do sexo à diversas formas de violências, exclusão e invisibilidades no âmbito da cidade não é consequência apenas de um espaço urbano pouco equipado, mas sinaliza a força dos estigmas e preconceitos quanto à atividade, cujos rebatimentos na saúde são evidentes. A experiência ampliada de insegurança aponta para a precarização dos modos de vida e trabalho das mulheres nas ruas, bem como desafia o campo da saúde coletiva a incorporar as experiências urbanas como elemento fundamental da determinação social da saúde.
Referências: Benjamin, W. (1987). Obras escolhidas II - rua de mão única. São Paulo: Brasiliense; Magnani, J. G. C. (2002). De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista brasileira de ciências sociais, 17(49), 11-29.
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