30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-6B - GT 6 - Cidade, Subjetividade e Práticas em Saúde |
31685 - DERIVAS CARTOGRÁFICAS: ACOMPANHANDO OUTROS MODOS DE (RE)EXISTÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE LARISSA FERREIRA MENDES DOS SANTO - USP, LAURA CAMARGO MACRUZ FEUERWERKER - USP
Meu primeiro projeto de pesquisa, partiu do incômodo que somente conseguia localizar nos efeitos produzidos pela operação de reestruturação administrativa das Organizações Sociais de Saúde (OSS) nos territórios do município de São Paulo. O que eu chamava de “desmonte”, era, na realidade, um processo cujo objetivo foi reduzir a quantidade de OSS presentes em cada território da cidade. Ainda que tenha acontecido um enfraquecimento e desmanchamento, por vezes, de equipes inteiras e, por isso, grande desgaste e tensão dos usuários e dos trabalhadores, não houve a revogação da política nem o fechamento dos serviços. Mas de onde quer que a gente olhe, o desmonte é sempre efeito de um movimento mais amplo, mais complexo. Interrogando novas perspectivas e posturas em relação à prática e a produção do cuidado no campo da saúde, produzindo alguns deslocamentos, não fazia mais sentido manter o foco em tal processo, mas construir outros modos de olhar para as políticas de saúde e seus efeitos. Que vidas estão sendo produzidas, nos interstícios, para além da forma-SUS e do que as políticas de saúde instituem? Interessou-me olhar as vidas que são produzidas de outras formas, nas pequenas movências que assinalam variados modos de perambulação, sustentação e invenção da existência. Penso que o cuidado e a produção das múltiplas dimensões da vida extrapolam os arranjos que – por mais cuidadores que sejam – estão circunscritos à esfera da saúde. Enquanto profissionais da saúde, fazemos parte da produção ativa do governo da vida do outro e penso que, somente quando chegamos a nos entender como ativo-produtores do mundo que habitamos, das relações em que estamos e das formas de cuidado que ofertamos, podemos inventar possibilidades de produzir outras coisas, novos modos de estar com o outro. Por tudo isso, não fazia de fato mais sentido olhar de dentro da saúde para a vida que, incessantemente, se produz no ‘fora’. Cartografar a produção das diferentes realidades que compõem um determinado bairro periférico de São Paulo, bem como o arranjo vital dos pequenos fazeres cotidianos, no sentido de desconstruir as caricaturas e desnaturalizar a figura do ‘outro periférico’. O exercício de olhar para as formas de vida e para as formatações que precarizam e capturam suas variações, contornos, movimentos, invenção, bem como minha necessidade de trazer para o campo do cuidado um modo de trabalhar que considerasse as multiplicidades – olhando para as singularidades que portam os sujeitos e todas as possibilidades que compõem as existências –, incitaram a mudança de direção materializada na atual pesquisa. Aproximei-me das existências que, de antemão, supomos esmagadas. Tomando o esmagamento como a condição do que não se apresenta, aos nossos olhos e segundo nossa experiência, como um lugar de produção de linhas de vida. Diz da passividade enquanto valor emitido sobre o outro que apontamos de saída como alienado, assujeitado, esmagado. Mas, durante o processo, entendi que a ideia de olhar o esmagamento partia de uma imagem caricatural. Uma visibilidade caricata do que se diferencia do hegemônico modo de existência, do que vai sendo colocado à margem e à sombra da cidade. Houve, também, um esforço de descontruir o olhar esmagador que tende a achatar o que difere, um certo tipo de percepção e de modos de olhar que esmagam as existências que estão em vias de ser instauradas. Sem a pretensão de traçar um inventário dos variados modos de existência encontrados, mas apreender o traçado das rotas de vidas cotidianamente inventadas. Micromovimentos que se passam no entre, numa espécie de terceira margem, que não se ancoram nas formas de resistência mais constituídas, nem nos movimentos mais conservadores. Outro esforço aí implicado foi o de tentar entender o que é denominado resistência. A orientação do trajeto percorrido teve como norte analítico o método cartográfico proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995). Ao longo das derivas pelo bairro, cartografei encontros com pessoas que não estão em movimentos sociais mais articulados, mas que, de alguma forma, estão no movimento de produzir a vida de outros modos a despeito da sujeição e do esmagamento. Uma cartografia das existências passando e pulsando no seu movimento mínimo, no emaranhado das linhas de um ordinário cotidiano que se encarrega da tramagem da vida. Olhando para o que, habitualmente, não é visto. O presente texto ensejou divulgar algumas inquietações produzidas ao longo da pesquisa cujo “objeto” é a vida, sobretudo, os que nela insistem: os viventes. Interessou-me olhar para a produção da vida que é engendrada pelos saberes local e de cada um dos que ali vivem. Produção, muitas vezes, subsumida pelo conjunto de práticas e saberes tecnocientíficos fabricados no campo da Saúde. Busquei estar à espreita das ordinárias lutas e das pequenas movências que, cotidianamente, incitam a composição de variados modos que forjam as mínimas (r)existências.
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