28/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-6A - GT 6 - Cidade, Subjetividade e Práticas em Saúde |
30892 - ARTE & CIDADE: POTENCIALIDADES NA PRODUÇÃO DO CUIDADO EM SAÚDE MARIA LÚCIA MAGALHÃES BOSI - UFC, ISABELA MAGALHÃES BOSI - UFC, ANNA KARYNNE MELO - UNIFOR
Introdução/Apresentação: Se concebermos, consoante o pensar complexo (Morin, 2003) a inseparabilidade entre ser humano e mundo, que o mundo que construímos nos constrói simultaneamente (Merleau-Ponty, 1999), podemos vislumbrar intervenções artísticas no espaço urbano como potentes dispositivos na produção do cuidado em saúde. A humanização da cidade promovendo a inclusão e diminuindo os desníveis convoca novos modos de escuta, sobretudo de grupos em situação de maior vulnerabilidade. A cidade, melhor dizendo, o complexo fenômeno da vida urbana atua como determinante social em saúde e, no que concerne à produção do cuidado e à humanização do cuidado, a arte pode acionar novas formas de conexão entre a população e os serviços de saúde, ampliando o alcance das ações. Podemos afirmar que o direito à cidade se entrelaça com o desafio de garantir o direito à saúde. Desafia-nos, sobretudo, a inserção de segmentos grosso modo pouco contemplados ou mesmo excluídos nos espaços institucionalizados e em dispositivos integrantes da rede de atenção, a exemplo de usuários de drogas, população LGBT, portadores de enfermidades cujas necessidades são ainda pouco conhecidas e consideradas na planificação de ações na rede de atenção. Objetivos/Metodologia: Como ilustração do que propomos argumentar, tomamos aqui para análise um dentre vários projetos de intervenção artística, no caso, urbano-poética intitulada “Pra Você”, realizada na cidade de Fortaleza (Ceará), entre outubro de 2013 e janeiro de 2015. O projeto consistiu, resumidamente, em envelopes distribuídos em espaços públicos da cidade, contendo textos íntimos da jornalista e escritora Isabela Bosi, idealizadora da intervenção urbano-poética. Buscando inspiração na etnografia e na fenomenologia, acompanhamos o desenvolvimento da experiência e seus vários desdobramentos. Mais de 200 cartas foram distribuídas anonimamente, afixadas em postes, bancos de rua, pontos de ônibus, nos mais diversos locais. Sem remetente ou destinatário, apenas a frase "pra você" figurava carimbada no envelope. Junto a cada texto, a autora colocava o endereço da página do Facebook, criada especialmente para o projeto - uma abertura para uma possível troca, caso a pessoa que encontrasse o envelope desejasse esse contato. Depoimentos postados no Facebook agradeciam e solicitavam explicitamente que mais cartas fossem deixadas no mesmo lugar ou vinham de pessoas que não encontraram as cartas, mas que desejavam muito encontrá-las. O projeto ganhou repercussões expressivas, virando pauta de matérias em jornais na cidade, em revistas e mesmo programas televisivos de alcance nacional e internacional, que acompanhamos de modo a desenvolver estas reflexões. Nesses espaços, reiterava-se um mesmo desejo de encontrar uma dessas mensagens. As questões que nortearam nossa análise foram: O que uma carta, posta anonimamente no meio da rua, evocava numa pessoa? Como uma intervenção urbana pode mobilizar sentimentos e provocar uma conversa na cidade? Poderia esse tipo de intervenção modificar a relação do indivíduo com o espaço urbano? E com esferas especificas como a saúde e a produção do cuidado? Resultados e discussão: Observar esse projeto e a surpreendente reação por ele gerada, ainda que inscrito em e direcionado a um âmbito distinto do que se considera "área da saúde", nos inspirou na direção de identificar potencialidades do formato “intervenções artísticos-urbanas”, ainda que sem a mesma natureza urbano-poética, como dispositivo voltado à promoção da equidade e da qualidade do cuidado em saúde, sobretudo nas dimensões humanização e integralidade, princípios que se inserem no ideário do sistema único de saúde brasileiro. Certamente, as possibilidades são muitas e apenas exploraremos nesta apresentação três exemplos, a título de ilustração do que nomeamos “conversa na cidade”: a esfera da educação em saúde; a dimensão da humanização e o desafio da avaliação como ferramenta da gestão. Conclusões/Considerações Finais: Intervenções como o "pra você", com o apoio da mídia, redes sociais e da gestão pública, poderiam ser apropriadas, superando os formatos tradicionais das ações, em especial as educativas, sem ressonância na dimensão afetiva da população, enferma ou sadia. Mais do que isso, poderiam inovar no sentido da humanização em saúde, ao restituir a subjetividade às práticas, mediante o resgate da dimensão estética fundamental ao cuidado integral em saúde, reforçando sua qualidade, dimensão ainda negligenciada na planificação de intervenções no setor. Por fim, acreditamos ser possível inseri-las como componente na avaliação qualitativa de serviços, ainda carente de instrumentos capazes de recuperar distintos discursos de forma mais genuína, espontânea e evocativa.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes. 1999
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 9ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2004.
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