28/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-6A - GT 6 - Cidade, Subjetividade e Práticas em Saúde |
31056 - SAÚDE, CULTURA E ARTE: ABORDAGEM PELA NÃO ABORDAGEM A PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA MARIA ANDRÉIA PEREIRA - ESP/CE, MARIA IRACEMA CAPISTRANO BEZERRA - ESP/CE, ANA PAULA SILVEIRA DE MORAIS VASCONCELOS - UECE, EDWIGES MAIARA FLORÊNCIO CRUZ - SMS FORTALEZA/CE, ANA CAROLINA SOUZA TORRES - ESP/CE, AMANDA CAVALCANTE FROTA - FIOCRUZ/CE, RAFAEL ROLIM FARIAS - UECE
“A cidade não para, a cidade só cresce, o de cima sobe e o de baixo desce”. A cidade, como cantou Chico Science, apresenta-se em meio a tantos conflitos sociais e interesses econômicos que o caos é naturalizado. Os centros estão cada vez mais saturados de casas comerciais e ambulantes tentando sobreviver do que vendem. Assim a cidade segue crescendo tanto quanto seus problemas, e o centro que no passado era considerado o espaço mais importante da cidade, perde investimentos e atenção do poder público, prédios históricos são transformados em faculdades particulares, casarões relevantes abandonados. Mas resiste e, ainda é bastante frequentado por comerciantes, familiares, inquilinos, ambulantes e pessoas em situação de rua.
Por ocasião do projeto “Residência na Rua: saúde, cultura e arte”, nasce a experiência do cuidado a População em Situação de Rua da Praça do Ferreira no centro de Fortaleza/CE. Um grupo de profissionais de saúde residentes do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE) percebeu que as pessoas que vivem em situação de rua não conseguem acessar a rede de atenção à saúde. O objetivo era qualificar a abordagem, por profissionais de saúde, às pessoas em situação de rua da referida praça. A equipe que integrava esse projeto era composta por profissionais de saúde residentes (serviço social, enfermagem, psicologia, educação física, enfermagem, terapia ocupacional), educador popular em saúde, e preceptoras (psicologia, enfermagem e serviço social). O projeto era uma parceria entre o programa de Residência, a Secretaria de Cultura do município de Fortaleza/CE e todos os equipamentos de saúde e assistência social voltados a esse público (consultórios de Rua, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e drogas, Centro POP, Pousada Social e Centro de Convivência). O projeto ocorreu no período de julho de 2017 a dezembro de 2018. O embasamento teórico para o desenvolvimento das atividades era a Política Nacional de Redução de Danos e os princípios da Educação Popular em Saúde. As ações desenvolvidas ocorriam inicialmente ao som do batuque: abria-se uma roda e começava a batucada. Dessa forma, era possível atrair a atenção de transeuntes e das pessoas que moravam na praça, assim todos(as) “se chegavam”, embalados(as) pela leveza e liberdade propostos pela “abordagem”. Tal estratégia era considerada uma não abordagem, uma vez que “nada” era ofertado. Ao entrarem na roda, eles(as) é quem dirigiam alguma demanda, de escuta ou acompanhamento a algum serviço de saúde; a identificação dos profissionais dava-se pelo uso de uma camisa que tinha escrito “Eu defendo o SUS”. À medida que a roda ia acolhendo os(as) interessados(as), os vínculos iam acontecendo naturalmente, e assim as questões existenciais vinham à tona. A partir de então, abria-se um espaço de convite à discussão das problemáticas, das invisibilidades e das necessidades de saúde de cada sujeito acolhido. Percebeu-se que as interpretações e valorações marcam o movimento, pois a arte não impõe seu conteúdo, ela atravessa os mais esquecidos sentidos que demandam compreensão e cuja mensagem é dada à discussão; às vezes traz incômodos, que se revelam necessários a um possível reencontro consigo através das mais antigas lembranças, e às vezes, alguns “nós” se desatam. Quando a praça começa a ser enfeitada para o Natal, essa população é expulsa urgentemente, numa explícita violação dos direitos humanos. São “varridos” pela segurança pública, para que as vendas desse período não sejam comprometidas num claro processo de gentrificação, trazendo apenas uma sensação de segura para os comerciantes locais.
Muitos entraves limitam o acesso de pessoas em situação de rua aos serviços de saúde, a saber: a exigência de comprovação de residência, tratamentos de saúde aplicados a regras que não levam em consideração as condições de vida destes indivíduos e o despreparo de profissionais da saúde para o acolhimento dessas pessoas. Assim, este projeto buscou ofertar cuidado em saúde para além de atos “medicocêntricos” com enfoque na escuta qualificada, na cultura e na arte como meio de interlocução com as pessoas. Ademais, mais do que prescrever exames e medicamentos, os profissionais de saúde devem estar abertos ao diálogo com as pessoas, aos seus desejos, às suas histórias, angústias e desafios.
Este projeto mostrou-se um facilitador da aproximação de pessoas em situação de rua a serviços de saúde antes visto como distantes por esta população. É redundante, porém necessário, dizer que a população em situação de rua é bastante vulnerável e corre sérios riscos de vida. É importante não perpetuar a lógica de que essa população pode ser descartada numa postura claramente higienista naturalizando-se a morte dos mais vulneráveis, quando uma possível saída seria promover medidas que possam alterar estruturalmente as condições de vida desta parcela da sociedade.
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