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28/09/2019 - 13:30 - 15:00
EO/CB -17A - GT 17 - Iniquidades em Saúde: Determinantes ou Determinação Social

30414 - O RACISMO COMO IMPEDIMENTO À ASSISTÊNCIA E AO CUIDADO EM SAÚDE
MÔNICA MENDES GONÇALVES - FSP - USP


O presente trabalho pretende discutir iniquidades em saúde a partir do relato da trajetória de um jovem negro e da assistência a ele prestada nas redes de atenção à saúde no município de São Paulo. O relato integra pesquisa de abordagem qualitativa, cujo objetivo era compreender a dinâmica das relações raciais no campo da saúde. Onze profissionais atuantes no município de São Paulo foram entrevistados, presencialmente, e os conteúdos analisados sob perspectiva da análise do discurso.
Trazemos aqui a história do jovem Alisson (nome fictício), relatada pela enfermeira Catarina (nome fictício), umas das profissionais de saúde integrantes da amostra. Ela relata que ele que chegou à UBS aos 18 anos buscando auxílio por sentir-se “muito insatisfeito, infeliz com a vida, falou que se sentia que não fazia sentido viver, começou com essas queixas pra médica” (sic). Relata ainda que ele começou a fazer uso de antidepressivos, mas, brevemente, voltou relatando “ter feito uso de muitas drogas, muitas drogas no mesmo dia” (sic). Diante disso, a equipe se mobilizou: foram realizadas reuniões de equipe e matriciamento entre a psicóloga, psiquiatra de referência e a equipe responsável pelo cuidado da família. Nunca se estabeleceu, porém, uma linha de cuidado permanente e longitudinal. Sobre essa trajetória, Catarina conta que a psicóloga da UBS o escutou numa única consulta, com ela, mas recusou-se a seguir atendendo Alisson sob o pretexto de que ele era um homem “bonito”, “muito sedutor” (sic), e que isso poderia interferir no cuidado; a psiquiatra de referência de UBS recusou-se a atendê-lo sob a alegação de que “não atendia usuário” (sic). Catarina relata que, segundo esta profissional, “ele fala pra você que foi a única vez que ele usou [...], mas na verdade ele é um usuário, porque [...] ele sabe onde vende, ele sabe onde tem, ele sabe onde procurar então ele tem que ser tratado no CAPS Ad e isso a gente não pode fazer nada com o NASF” (sic). Indo ao CAPS Ad, esta instituição se recusou e atendê-lo por acreditar que se tratava de um caso de “transtorno”, e que o jovem “não era caso de CAPS” (sic). O desdobramento foi o suicídio de Alisson, aos 23 anos, cinco depois das primeiras queixas.
Este relato evidencia os mecanismos de recusa e omissão presentes na atenção aos negros nos serviços de saúde, como Paixão e vasta bibliografia atestam. Mostra ainda que a discriminação racial não necessariamente acontece por meio de ação ativa contra o negro, pelo contrário: às vezes, é justamente pela ausência de ação que se manifesta o racismo nos serviços de saúde.
É importante, ainda, destacar a presença de argumento técnico-teórico que fundamente a prática discriminatória subjacente à conduta, pois o conteúdo que orienta a discriminação pode estar lógica e conceitualmente fundamentado, o que acaba atuando como ocultação da raça e, por conseguinte, da consideração dela como fator decisivo no acolhimento e assistência prestada a esses usuários. As argumentações envolvem discussões de altíssima complexidade, debates em aberto, para os quais nem sempre há resposta pronta. Porém, não justificam em medida alguma a desassistência: cinco anos é tempo suficiente para que equipes de saúde se organizem e estabeleçam linhas de cuidado partilhadas, até mesmo levando em consideração os afetos gerados nos pacientes e/ou pelos pacientes – que, eventualmente, podem comprometer a capacidade de profissionais e equipes em dar suporte técnico qualificado e eticamente comprometido. Os entraves a assistir da melhor forma não podem ser pretextos para não oferecer assistência alguma.
Nessa situação, chamam atenção dois elementos discursivos: primeiro, a leitura do homem negro como um homem sedutor; segundo, a presunção da inidoneidade da queixa e do relato trazido pelo paciente. São proposições que remetem a hipersexualização do homem negro hipersexualizado, “malandro”, ao imaginário do homem negro como perigo, alusões que encontram sua origem na colonização, em que se deram os primeiros e mais vis investimentos na invenção do negro africano como ‘tipo’, e a sexualidade, brutalidade, imoralidade e desumanização como bastiões e significantes da negritude.
É exatamente na emergência dos significantes implícitos ‘sedutor, enganador ou mentiroso’ que se evidencia um olhar racializado e racialista, e se pode captar a particularidade e materialidade racista desta exclusão. Fica evidente o que Ramos afirmou como recurso racista: “a utilização não somente através de atos de violência física, explícita, mas, pelo contrário, de violência simbólica, de um “sistema de pseudojustificações e estereótipos” como forma de garantir a expropriação (sistemática) dos negros”.
Terminamos afirmando não haver possibilidade de construir lógicas, serviços e dispositivos efetivos ao cuidado em saúde enquanto houver racismo. À construção de uma práxis em saúde efetivamente balizada pela equidade é imprescindível o combate sistemático ao racismo na saúde e além deste campo.

local do evento

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

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