29/09/2019 - 15:00 - 16:30 EO/CB-17D - GT 17 - Saude, Adoecimento e Morte de Mulheres e Crianças |
31320 - OFICINA DE ESTÍMULO À LEITURA NA ATENÇÃO BÁSICA: QUANDO O LIVRO SE TORNA UM BRINQUEDO CONTRA A MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO JANAÍNA RIBEIRO DE REZENDE - UFT, PAULA SASSAKI COELHO - USP
O presente relato de pesquisa foi elaborado a partir da experiência da Oficina de Estímulo à Leitura, desenvolvida em uma Unidade Básica de Saúde – UBS, da Grande São Paulo, organizada por uma psicóloga e acompanhada durante uma pesquisa de doutorado em Psicologia. A Oficina foi realizada com crianças encaminhadas à UBS devido a queixas escolares, que enfrentavam dificuldades no processo de alfabetização.
Compreendemos que a produção do fracasso escolar se baseia em fatores sociais responsáveis pela perpetuação da não-aprendizagem entre a classe trabalhadora. Identificamos que a sociedade produz o fracasso escolar, que tem sido justificado pela medicalização do ensino e saúde.
Portanto, a construção de formas de enfrentamento à educação medicalizada, a partir de práticas realizadas em UBS, mostra-se importante ferramenta de promoção de educação e saúde, como entendemos ser o caso da Oficina.
Objetivos
Buscamos elucidar as estratégias de realização da Oficina de Estímulo à Leitura desenvolvida por uma psicóloga da atenção básica de uma UBS da Grande São Paulo, como forma de enfrentar o processo de medicalização da educação, vivido por crianças encaminhadas ao serviço de psicologia por queixa escolar.
Metodologia
A pesquisa-ação participante foi realizada através do acompanhamento da Oficina realizada com crianças encaminhadas à psicologia por queixa escolar, que apresentavam problemas na alfabetização. O grupo criado pela psicóloga, reunia crianças de 6 a 12 anos de idade. As atividades eram realizadas cerca de três vezes ao mês, na brinquedoteca, que ficava ao lado da UBS. Os encontros tinham duração de cerca de uma hora e meia.
O papel da Oficina não era alfabetizar, mas construir com as crianças a segurança e confiança necessárias para o processo de aprendizagem, respeitando o ritmo de aprendizado de cada uma. A rotina da Oficina consistia em reunir as crianças na UBS; leva-las à brinquedoteca; assinar o livro de presença do espaço; fazer a roda de apresentação, de combinados e apresentar as atividades do dia. Em seguida, as crianças podiam brincar do que quisessem, desde que guardassem o que utilizaram.
Durante o momento da brincadeira, em cada encontro, a psicóloga observava uma das crianças, buscando identificar quais as dificuldades que ela enfrentava e propondo formas de como superá-las. Essa avaliação se dava de várias formas, desde propor ou acompanhar a criança em uma brincadeira, até escolher um livro para ser lido junto à criança. A abordagem da psicóloga era sutil, de forma que as crianças não se sentiam cobradas ou avaliadas. A disponibilidade de participar da brincadeira era fundamental para isso. Não havia um roteiro a seguir, era importante ter sensibilidade para participar do que a criança estivesse disposta a realizar.
Depois da brincadeira, o grupo se reunia novamente, para o momento da contação de histórias, quando era possível exercitar diferentes formas de leitura e explorar a literatura infantil. Após a Oficina, a psicóloga retornava à UBS com as crianças e havia um momento de orientação aos cuidadores.
Resultados e discussão
As crianças gostavam de frequentar a Oficina e a brinquedoteca era um elemento importante dessa vinculação, pois lá havia brinquedos, livros e espaço. Muitos pesquisadores da infância defendem a função do lúdico para o desenvolvimento infantil. A criança se desenvolve no brincar, interage, constrói hipóteses, formula perguntas, constrói raciocínio etc. No brinquedo, encontra-se a relação da ação da criança com o meio, possibilitando o estímulo à criação e à imaginação, enquanto processos especificamente humanos da atividade consciente e de desenvolvimento da sua subjetividade.
Na Oficina, o livro, a contação de história, a leitura eram compreendidos enquanto brincadeira. Assim, pretendia-se promover o direito humano à literatura, defendido por Antônio Cândido, por meio da tentativa de favorecer as condições de aprendizagem das crianças e de socializar o acesso às histórias.
Abordar o processo de leitura e aprendizagem das crianças, de forma livre, estimuladora, possibilitava que a criança se sentisse mais segura a arriscar. Entender as especificidades, respeitar as histórias de vida que cada uma carregava consigo até à UBS, à brinquedoteca, à escola, favorecia com que fossem criadas condições de aprendizagem. A Oficina se mostrou um espaço de enfrentamento à medicalização da educação.
Conclusões
Na Oficina conhecemos diversas histórias das crianças e suas famílias. Nesse sentido, percebemos que nas trajetórias delas são compartilhados elementos que produzem o fracasso escolar e medicalização da educação. O afeto, a compreensão sobre as diferentes formas de aprender e a realidade das crianças como ponto de partida para a relação de ensino parecem elementos centrais para superar a produção do fracasso escolar. O diálogo e acolhimento das queixas escolares na UBS pode ser uma forma de enfrentamento ao processo de medicalização da educação na atenção básica.
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