28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-8D - GT 8 - Direitos, Democracia e Violencia |
30976 - A MULHER NA SAÚDE E A VIOLÊNCIA DE GÊNERO ARIADNE DE OLIVEIRA E SÁ - IMS/ UERJ, BIANCA MACHADO QUINTÃO - IMS/ UERJ
Contexto
A inquietação surge do campo, em uma unidade básica de saúde (UBS) situada em um bairro do subúrbio carioca com alta prevalência de violência de gênero, cuja composição profissional é predominantemente feminina e que se encontra no mesmo espaço que a maternidade de referência da região.
Tendo em vista os vários estudos que compõem com a visão das autoras de que o cuidado ofertado à mulher em situação de violência ainda é precário¹, ineficaz e pouco efetivo, propõe-se uma análise que possa ultrapassar as “velhas desculpas”. Para tanto, é necessário que se perceba que, se há dez anos o número de novos registros de médicas é superior ao de médicos², se o percentual de profissionais da enfermagem do sexo feminino em 2013 era de 86,2%³ e somente no Rio de Janeiro o número de psicólogas é 6,5 vezes maior que o de psicólogos, o enfrentamento da velha ordem nas políticas de saúde e do biopoder deve partir de um recorte de gênero entre os trabalhadores.
Descrição
A construção da identidade no contexto de violência a partir do cuidado entre duas mulheres e a dinâmica transferencial e contratransferencial que permeia esse contato ainda é pouco discutida. Estudos relatam práticas profissionais atravessadas por julgamentos e preconceitos, bem como sentimentos e reações frequentes de indignação, empatia, pena, etc. A determinação emocional da prática em saúde em contraste com a complexa natureza da demanda pressupõe a necessidade repensar o cuidado.
Mulheres em situação de violência são descritas pelos serviços como oriundas de um contexto de vulnerabilidade social, afetadas pela pobreza, gravidez e casamentos precoces ou indesejados, submetidas financeira e afetivamente aos companheiros que as agridem. No entanto, não é possível preconizar o cuidado como direito humano à saúde se desconsideramos o sujeito em sua singularidade, complexidade, integralidade e inserção sociocultural para além das estatísticas.
Nessa perspectiva, há uma demanda por iniciativas que entendam que o cuidado em um contexto de violência apresenta especificidades, expressas nos desencontros entre a oferta e a demanda que indicam que a vivência pessoal determina o cuidado. Outros estudos evidenciam uma tendência à negação da violência por parte de profissionais que sofrem ou tenham sofrido violência em suas vidas pessoais. Por fim, cabe lembrar a crescente incidência de violência de gênero entre mulheres profissionais de saúde, fortemente associada ao lugar que ocupam e da resistência da sociedade patriarcal.
Objetivos
Analisar, através do relato de experiência de uma das autoras e de revisão bibliográfica, os aspectos relacionados à dinâmica do cuidado entre profissionais de saúde do sexo feminino e mulheres em situação de violência, além de trazer elementos importantes que sustentem a tese de que esse conhecimento é valioso para a promoção da integralidade do cuidado dessa população.
Período de Realização
Janeiro de 2018 a maio de 2019, incluindo campo e revisão bibliográfica.
Aprendizados
Retornando à UBS, um paradoxo se estabelece nas fronteiras do cuidado de uma mulher a outra: a negação do abismo que existe entre elas (para além da demanda e oferta em saúde) e o não reconhecimento de que partem de lugares diferentes. O grande desafio é reconhecer tais diferenças e viabilizar um cuidado que não endossa o paradigma do feminismo hegemônico e não legitime o discurso excludente. Nesse sentido, se faz mister a sustentação de um espaço de fala contra-hegemônico e ausente de qualquer forma de violência institucional para possibilitar a restituição de poder e descolonização do pensamento.
Quando incluímos além do contexto sócio-histórico dessas mulheres, em sua maioria negras, a violência de gênero, não podemos deixar de citar as duas modalidades de biopoder elucidadas por Foucault onde o imperante possui o direito de morte e poder sobre a vida. Falamos de uma condição em que as relações ultrajantes impostas à essas mulheres possuem a função de incitação e controle, bem como disciplinar na garantia da utilidade-docilidade de quem se oprime.
Análise
Ainda nesta lógica, observa-se com clareza as forças que tensionam pela manutenção da ordem e do estado das coisas, sustentando desigualdade e discriminação na sociedade. O plano biomédico se materializa como uma dessas forças, imprimindo uma falsa noção de igualdade e caracterizando ações diferenciadas como privilégios ou anti-éticas.
As profissionais de saúde que propõem essa análise são mulheres brancas. Sendo assim, além do entendimento sócio-histórico dessas mulheres em situação de vulnerabilidade, o lugar de fala viabiliza o rompimento do silêncio instituído através de uma hierarquia de violências. Vale notar que a escuta parte daquelas que sempre foram autorizadas a falar, mas calam-se apesar do incômodo que as vozes silenciadas trazem e do confronto que é gerado quando se rompe com a voz única.
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