28/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-35H - GT 35 - Corpo, Gênero, Estigmas: Vulnerabilidades e Proteção Social |
30347 - SAÚDE E FILOSOFIA POLÍTICA EM TEMPOS SOMBRIOS: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL ENTRE DOIS CONCEITOS MARIANA SILVA EVANGELISTA - USP
É plausível relacionar filosofia polícia e saúde? Sim, na medida em que discutimos as possíveis fronteiras entre essas áreas. Pois, de um lado temos a filosofia política que se dedica a pensar o viver juntos, em sociedade. De outro, a saúde e seus tantos paradigmas; dentre eles, um conceito: a salutogênese, que leva em consideração a interpretação subjetiva de cada indivíduo sobre as suas condições de saúde e sua história de vida (ANTONOVSKY, 1979). Ademais, fundamenta-se no senso de coerência dividido em três partes: a) a compreensão – que diz respeito ao olhar e julgar o que passa ao redor de si, b) o manejo – o que fazer e/ou falar diante do que se vê e c) o significado – ligado a atribuir sentido ou ressignificar os fatos que vive (ANTONOVSKY, 1993). Com isto, o objetivo deste resumo é relacionar essa conceituação da saúde a uma definição de perdão dentro da filosofia política de Hannah Arendt. Dessa maneira, a investigação aqui esboçada toma por base certa revisão bibliográfica desses dois conceitos analisados nesse contexto sombrio. A característica mais comum nesses tempos em que estamos vivendo é identificar a expansão do mundo deserto, onde cada vez mais fica difícil criar raízes e pertencimento. Em razão da polarização política, acentuada a partir de 2016 e intensificada nos modos de (des)governar recentes, estamos passando por um intenso processo que pode acelerar nosso desenraizamento e consequente desamparo. Contexto no qual a vulnerabilidade é generalizada e alcança níveis dantes experimentados por grupos marginalizados da sociedade os quais, agora, estão ainda mais em risco. Compartilhar o espaço comum e manter alguns laços de afetos estão em cheque, o discordar parece regra, fato que pode evidenciar o esfacelamento do espaço partilhado e gerar a necessidade de uma possível fuga do mundo compartilhado para o mundo interno, algo profundamente nefasto. Pois, como indica Arendt (1958), o ser humano apenas aparece no meio comum, onde é visto e ouvido, onde vê e ouve. Então, talvez se isolar um pouco, dentro de um suposto mundo próprio até seja saudável, haja visto o desgaste incomensurável pelo qual estamos passando; porém, nisso reside o maior risco que corremos ao estarmos rodeados de desertos: que os sujeitos escolham se alienar em relação ao mundo, se apartar do convívio, não tomar lugar no espaço da aparência. Como consequência desse isolamento, ficam esvaziados de ação e de discurso, não são vistos pelos outros e não veem os outros. Essa noção de deserto é uma metáfora empregada pela pensadora alemã para explicar como a partir da crise no mundo moderno, tudo que há entre nós foi desmanchado, o possível crescimento de um não-mundo, onde a areia pode tomar conta. Por isso, lançar mão do conceito de salutogênese faz sentido. Ela pode ser considerada uma possível e potente teoria para criar políticas públicas voltadas para a promoção da saúde. Pois, segundo Antonovsky, tal conceito não se baseia na dicotomia saúde x doença, nem compreende o estado saudável como um continuum; e sim, leva em conta que o estresse é onipresente para o ser humano e o ponto fundamental para cada um seria considerar sua própria história e a maneira como ativamente se adapta ao que está vivendo. Enfim, dois remédios políticos para tratar nós, humanos, que estamos vivendo esses obscurantismos, podem ser o perdão, que pode nos ajudar a lidar com a imprevisibilidade inerente à toda ação; assim como, a promessa, a qual pode nos ajudar a encarar a irreversibilidade também característica de toda ação. Desse modo, nosso objetivo é lembrar a capacidade comum aos humanos, mesmo nos tempos mais sombrios: tentar compreender e tentar perdoar; ou ao menos, tentar se reconciliar com os semelhantes que continuam ao nosso redor e dão visibilidade a nós e nós, a eles. Reconciliar não implica conviver. Então, somamos isso à ideia da salutogênese, de que as pessoas podem ser capazes de encontrar bem-estar (ou apenas criar formas de sobreviver) mesmo diante de situações adversas. Saúde e filosofia aproximadas: que nós possamos, graças à coragem de olhar ao que de fato está acontecendo ao nosso redor, buscar sentidos para aquilo que sucede e, se preciso (e possível), pedir ajuda para a rede de pessoas que está ao redor. Portanto, somos potencialmente dotados de todas essas capacidades: de entender o que acontece ao nosso redor, de gerenciar a situação por conta própria ou por meio de outros apoios significativos em nossa rede social, de encontrar significados nas situações que vivemos, de perdoar para continuar nosso caminho e não ficar presos ao enfado doentio do não-perdão, de prometer para criar formas de viver o tempo vindouro. Ou ainda, de não prometer nem perdoar, mas pelo menos continuar enxergando a humanidade daqueles que nos provocam esse desafio da negação. Enfim, podemos tentar nos reconciliar com outros indivíduos e com a comunidade ao nosso redor e assim, criarmos, juntos, formas de resistência nesse mundo deserto.
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