28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-27C - GT 27 - Coletivos e grupos de ativismo em saúde mental |
30299 - MEMÓRIA DE UM COLETIVO DE SAÚDE MENTAL COMO PRÁTICA DE RESISTÊNCIA CARLOS EDUARDO SILVA FEITOSA - UFRN, ANA KARENINA DE MELO ARRAES AMORIM - UFRN, INDIANARA MARIA FERNANDES FERREIRA - UFRN
Introdução: A preservação da memória dos grupos desqualificados pelas grandes narrativas, é um elemento-chave no processo de enfrentamento e resistência diante das violações dos direitos humanos que ocorrem cotidianamente no Brasil, principalmente no campo da saúde mental. O avanço das forças conservadoras, nos últimos dois anos, traz à tona mudanças sofridas nas políticas de saúde mental que incorporam novamente as instituições asilares na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), ameaçando as conquistas consolidadas no campo da saúde mental e dos direitos humanos. Revisitar a história dos grupos, por outras lentes, outras perspectivas, potencializa novas reflexões e compreender os mecanismos pelos quais as violações se atualizam. Por meio da pesquisa da Associação Potiguar Plural, um coletivo de saúde mental em Natal/RN, nascido do desejo de diferentes atores (usuários, profissionais, estudantes, familiares), procurou-se entender como se estabelecem estratégias de resistência a formas de vida manicomializadas, por meio do agenciamento coletivo. O objetivo da pesquisa se encaminhou na direção do mapeamento de forças presentes no coletivo, que possibilitaram entender a produção de resistência a modos de cuidado institucionalizados, refletindo sobre o exercício e resgate da memória, na atuação desse coletivo, como ação transformadora e prática de resistência no campo da saúde mental. O método adotado para a condução da pesquisa foi o da pesquisa-intervenção com base na Análise Institucional. Tal perspectiva metodológica parte da ideia de que sujeito e objeto, pesquisador e campo de pesquisa, se criam ao mesmo tempo. A relação que se estabelece é da ordem da imanência. As práticas produzem os objetos assim como políticas de subjetivação, partindo de uma postura de não neutralidade do pesquisador, assumindo e afirmando a dimensão política que toda pesquisa implica. Dentro da pesquisa-intervenção, a cartografia surge como um aspecto metodológico que apreende a complexidade, rastreia o plano de forças que compõe a realidade. Ela se ocupa do mapeamento de diferentes territórios, assinalando a relação e as implicações dos sujeitos no espaço mapeado. Para o estabelecimento da cartografia dessa pesquisa, foi lançado mão do recurso da narrativa, que rompe com as tradicionais formas de pesquisas que tomam como base, perguntas e respostas. Dentro da pesquisa o conceito de implicação, a partir da Análise Institucional, de que o sujeito, quer queira ou não, está sempre implicado com as mais diferentes instituições que o atravessam, guiou eticamente o pesquisador no contato com o campo e na análise dos dados obtidos. Foram desenvolvidos processos-chave para a condução da pesquisa como: o acompanhamento do coletivo em suas atividades como participante ativo e colaborador; o levantamento documental da história desse coletivo, fazendo mapeamento; assim como a realização de entrevistas individuais, abertas, buscando na memória do participante, sua chegada grupo, participação nas atividades, sentimentos de pertença, vínculos e contribuições. Como resultados do acompanhamento do coletivo e da condução das pesquisas, surgiram três linhas de análise: as memórias e testemunhos do manicômio; a produção de cuidado através dos agenciamentos entre os participantes do coletivo; e o coletivo como espaço de formação de futuros profissionais. Os dados obtidos mostram que a memória das violências sofridas no hospital psiquiátrico, mostra-se bastante presente nos discursos, que assumem uma postura parresística de denúncia das violações sofridas e seu compartilhamento produz práticas de resistência que reivindicam ações políticas, como a participação do coletivo em espaços de deliberação, como o conselho municipal de saúde, as plenárias dos serviços de saúde do município assim como a aproximação de outros movimentos sociais. Fica perceptível e os dados apontam para a criação de redes informais e formais de cuidado, a partir dos vínculos de solidariedade travadas entre os participantes, que escapam à mera reprodução de um modelo de cuidado focado na doença, mas sim na afirmação da potencialidade dos encontros. O coletivo pesquisado participa de diversas formas nos espaços de formação acadêmica, chegando a acolher uma extensão universitária de psicologia da UFRN, além de se fazer presente em palestras, visitas em salas de aula, em mesas redondas de congressos, trazendo a experiência e a memória das vivências como elementos agregadores na formação de profissionais mais sensíveis à realidade dos usuários da saúde mental. Como conclusão, a memória e o testemunho mostraram-se como pilares no desenvolvimento de práticas de resistência no campo da saúde mental, demonstrando um potencial transformador da realidade, a partir do protagonismo e das relações de solidariedade entre sujeitos livres.
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