30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-27E - GT 27 - Gestão autonoma e participativa da medicação |
30516 - GESTÃO AUTÔNOMA DE MEDICAÇÃO NA ATENÇÃO BÁSICA COMO ESTRATÉGIA DE APOIO MATRICIAL RAFAELA ROCHA - UNISANTOS
O presente relato trata da experiência de implantação da estratégia gestão autônoma da medicação (GAM) em uma unidade básica de saúde no município de Santos – SP. O município tem importância histórica no desenvolvimento das políticas de saúde mental vigentes no Brasil, por ser um dos primeiros a implantar uma rede substitutiva aos manicômios trazendo à cidade o reconhecimento internacional. Hoje participa dessa ação inovadora que a estratégia GAM origina, pela lógica precedente o paciente acatava o tratamento proposto, a estratégia impulsiona a autonomia, altera a relação de poder e efetiva participação do paciente nas decisões relativas aos tratamentos em saúde mental. Essa estratégia surgiu no Canadá por um grupo de usuários do serviço de saúde mental no qual questionavam o significado do uso dos medicamentos psicotrópicos, e chegou ao Brasil através de uma pesquisa multicêntrica que traduziu e adaptou em forma de guia de acordo com as características do país. A estratégia transmite informações na forma de diálogo, com troca de saberes entre os atores envolvidos, com objetivo de propiciar reflexão a partir de temas disparados pelo material de apoio, onde são abordadas diversas formas de cuidado em saúde, direitos, rede de apoio, autonomia e protagonismo. A ideia de implantar a estratégia no município surgiu nas reuniões de apoio matricial entre o CAPS Centro e a ESF Martins Fontes, havia uma demanda dos profissionais da atenção básica (AB) que solicitavam um espaço de reflexão para discutir o uso e abuso de benzodiazepínicos. Surgiu então, a ideia de utilizar a estratégia GAM como produto técnico da dissertação do Mestrado Profissional Ensino em Ciências da Saúde da UNIFESP, no qual os principais resultados sugeriram a necessidade de fortalecer ações de apoio matricial na AB, a fim de que os profissionais se sintam melhor instrumentalizados para acolher de forma mais segura a demanda de transtornos mentais comuns. A iniciativa foi levada à UNIFESP e a Prefeitura Municipal de Santos, o que culminou em uma capacitação para 60 profissionais pelo Programa de Extensão de Apoio a RAPS de Santos realizada por apoiadores da UNIFESP campus Baixada Santista, que acompanharam e apoiaram a implementação da estratégia. Essa experiência foi a primeira a se concretizar no município, os grupos ocorreram mensalmente com duas horas de duração de janeiro de 2018 a abril de 2019, participaram do grupo a farmacêutica, uma psicóloga do CAPS, um médico e uma enfermeira da ESF Martins Fontes, além de outros profissionais convidados. O objetivo principal foi de criar um espaço de reflexão e problematização do uso de medicamentos psicotrópicos baseado na estratégia GAM. O convite para a participação do grupo foi feito a pacientes que tomavam benzodiazepínicos indicados na reunião de apoio matricial. Inicialmente houve dificuldade de adesão ao grupo, supostamente por os pacientes atrelarem com a descontinuação do medicamento em uso. A estratégia para adesão se deu a partir de discussões com a equipe da AB e o apoio da UNIFESP, as ações envolveram: mudança na periodicidade do grupo, elaboração de convite, ligações, visitas domiciliares, e agendamento do grupo concomitante a consulta médica. Apesar da indicação dos participantes do grupo, ele estava aberto para outras pessoas que se sentissem beneficiadas com a participação, como ocorreu com uma agente comunitária. O ambiente foi pensado para ser acolhedor, com café, cadeiras dispostas em círculos, para que todos pudessem se olhar e a troca de saber ser horizontal, respeitando a subjetividade e experiência singular de cada indivíduo. Observamos a necessidade de estimular a adesão a grupalidade na AB, principalmente relacionadas as práticas que não coloquem a doença em primeiro plano. Houve grande interação entre os presentes, e apesar das dificuldades iniciais a estratégia foi potente ao problematizar a relação com a medicação e fomentar a autonomia propiciando uma participação mais ativa no tratamento. Foi possível constatar que a medicação é um direito no qual as pessoas querem acessar, demonstraram grande aflição quando há falta da medicação em suas vidas, seja elas pela dificuldade de conseguir uma receita ou pela falta da medicação no município. O medicamento continua sendo a centralidade no cuidado em saúde mental e essas pessoas tem dificuldade de refletir sobre o uso, não aderem outras modalidades de cuidado alternativas ou complementares. Essa estratégia também configurou a potência das ações articuladas entre as equipes de saúde mental e AB. O apoio matricial em saúde mental é uma ferramenta essencial de educação permanente e cuidado em rede, no qual as equipes criam em conjunto uma proposta de intervenção, e essa construção compartilhada instrumentaliza os profissionais da AB a dissociar o conceito de saúde mental do conceito exclusivo de doença mental, pensando no cuidado a partir da prevenção e promoção a saúde.
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