Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO1.1 - Tópicos em hesitação vacinal

45709 - PERCEPÇÕES DE CUIDADORES SOBRE A VACINAÇÃO INFANTIL DE ROTINA: UMA ABORDAGEM QUALITATIVA SOBRE A HESITAÇÃO VACINAL NO BRASIL
CAMILA CARVALHO DE SOUZA AMORIM MATOS - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), MARCIA THEREZA COUTO - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)


Apresentação/Introdução
Programas de imunização em todo o mundo têm enfrentado desafios para manter a cobertura vacinal alta e homogênea. O Brasil é universalmente conhecido por seu forte Programa Nacional de Imunização, por meio do qual se consolidou uma cultura de imunização. No entanto, em consonância com o cenário global, o Brasil também tem enfrentado grandes desafios para manter a cobertura vacinal. Um dos motivos para isso é a hesitação vacinal, um fenômeno contexto-específico e definido como um estado motivacional de conflito ou oposição à vacinação que inclui intenções e vontades.

Objetivos
Compreender as razões e motivações de pais/cuidadores relacionadas à tomada de decisão de (não) vacinar e as dimensões socioculturais da hesitação vacinal no Brasil.

Metodologia
Pesquisa qualitativa foi realizada em duas capitais brasileiras: São Luís (Maranhão) e Florianópolis (Santa Catarina). Foram incluídas famílias residentes nas duas cidades que tivessem crianças de até 6 anos de idade. O estudo contemplou famílias que vacinaram integralmente, que selecionaram as vacinas e que não vacinaram as crianças sob sua responsabilidade. Para a captação dos participantes utilizou-se a técnica de amostragem por bola-de-neve. Priorizou-se a inclusão dos dois cuidadores principais da criança, isto é, as duas principais pessoas responsáveis pelas tomadas de decisão em relação à saúde da criança. Entrevistas em profundidade foram conduzidas a partir de roteiro previamente testado. As entrevistas, realizadas entre março de 2021 e abril de 2022, foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas. Os dados foram analisados a partir de análise temática do conteúdo.

Resultados e discussão
Foram entrevistadas 33 famílias, totalizando 48 cuidadores de crianças pequenas nas duas cidades. Esses cuidadores eram, em sua maioria, mães e pais. O estudo demonstra que a principal influência e fonte de informação para o questionamento às vacinas são os círculos sociais. Os profissionais de saúde, especialmente vinculados à medicina não-alopática (mas também pediatras alopáticos), desempenham papel importante na decisão por não vacinar. Contrariamente à ideia amplamente difundida de que a internet é a principal fonte de informação de cuidadores hesitantes, encontrou-se que os entrevistados, apesar de usarem alguns recursos da internet, não sentem confiança nas informações encontradas online. A decisão por não vacinar perpassa também por um posicionamento anti relações de poder estabelecidas com o Estado e as instituições de saúde: essas famílias declaram não ser anti-vacina, mas sim pró escolha, e criticam os direitos do Estado sobre seus filhos. As relações estabelecidas com os serviços e profissionais de saúde também se conformam sobre uma estrutura de poder e inquestionabilidade. As famílias que têm dúvidas em relação às vacinas não encontram espaço de diálogo e interlocução nos serviços de saúde “tradicionais”, encontrando-o junto a famílias hesitantes e profissionais que contraindicam a vacinação infantil. Por fim, o estudo revelou que a maioria das razões e motivações por trás da não vacinação infantil no Brasil são similares àquelas encontradas na literatura mundial sobre o tema. A balança risco-benefício é apontada como a principal guia para a tomada de decisão. Sabe-se que, com o sucesso das vacinas e o controle/erradicação das doenças imunopreveníveis, os efeitos adversos das vacinas passam a representar, para essas famílias, um risco evitável. O sentido atribuído à parentalidade para todas as famílias entrevistadas é o do cuidado e proteção, mas, para as famílias vacinadoras, cuidar significa vacinar; enquanto, para as hesitantes, proteger significa não vacinar. As críticas à indústria médico-farmacêutica e a crença em um estilo de vida o mais próximo possível do natural despontam como importantes motores da hesitação vacinal, bem como o medo e as críticas à composição das vacinas e aos seus efeitos colaterais. Por fim, no contexto local, algumas críticas endereçadas ao calendário vacinal brasileiro também têm papel importante no processo de decisão, como o elevado número de vacinas/doses nos primeiros meses de vida e o fato de estas serem iniciadas muito precocemente na vida da criança. A premissa de que cada criança é única leva ao desejo de um “cuidado sob medida”, emoldurado pelo que vem se chamando na literatura de ‘parentalidade individualista ou neoliberal’. Nesse contexto, intervenções de saúde universais, como a vacinação, são percebidas como problemáticas.

Conclusões/Considerações finais
Os achados deste estudo reafirmam a complexidade do processo de tomada de decisão em vacinação infantil. Achados como os aqui apontados podem contribuir no planejamento e implementação de estratégias governamentais apropriadas, visando a retomada de coberturas vacinais adequadas.