Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO3.1 - Feminismo negro, desigualdades sociais e ações afirmativas: (r)existências e contribuições CSHS na formação em saúde

48118 - É TEMPO DE FALAR DE NÓS MESMAS: TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NO CURSO DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
FLÁVIA CRISTIANE DA SILVA - UFRB, AMÁLIA NASCIMENTO DO SACRAMENTO SANTOS - UFRB


Apresentação/Introdução
O acesso à educação sempre foi uma das principais bandeiras de luta do Movimento Negro por compreenderem que este seria um caminho estratégico para a construção de nossa plena cidadania no país. Após quase vinte anos das primeiras políticas de expansão e democratização do Ensino Superior (ES) no Brasil, vimos o perfil dos/das estudantes mudar, principalmente após a Lei de Cotas, mas não necessariamente o modus operandi hegemônico das Universidades, ainda mais nos cursos considerados tradicionais e com maioria de estudantes brancos, como é o caso da Medicina. Desde a criação das primeiras escolas médicas, em 1808, a partir da chegada da família real portuguesa e sua corte ao Brasil, fica evidente a institucionalização da racionalidade médica ocidental enquanto o padrão universal, negando as práticas medicinais dos povos africanos e originários que eram utilizadas aqui. Desde então, a medicina assume o mito de uma profissão organizada à maneira de um clero com a missão de regenerar o povo brasileiro, quase sempre, embranquecendo-o. Em contrapartida, nas últimas décadas, leis foram implementadas a fim de trazer as relações étnico-raciais como parte dos projetos pedagógicos, porém ainda não é o que vemos nos currículos médicos. Criada em 29 de julho de 2005, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), foi a primeira Instituição Federal do interior da Bahia, fruto de décadas de articulação entre diferentes segmentos da sociedade dessa região que lhe dá identidade. Uma Instituição que já nasce com uma pró-reitoria de políticas afirmativas e assistência estudantil (PROPAAE) por reivindicar a garantia de corpos dissidentes e ciências populares, em presença, diálogo e produção de conhecimento dentro dela. O curso de medicina chega em 2013 e a primeira turma, forma-se em 2019. Estampada em várias reportagens da época, ficou conhecida por ter uma maioria de formandos autodeclarados negros, recebendo a alcunha de turma mais negra do país.

Objetivos
No bojo das investigações acerca da recente ocupação das Universidades por corpos historicamente excluídos e as contradições geradas por esta, desafiamo-nos, neste trabalho, a analisar as trajetórias de mulheres negras da primeira turma de medicina da UFRB ao longo de suas graduações, considerando os marcadores sociais de raça, classe e gênero.

Metodologia
Para dar instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado, produtores de avenidas identitárias em que mulheres negras são repetidas vezes atingidas, utilizamos a interseccionalidade. Trata-se de uma abordagem qualitativa de estudo de caso único e adota como estratégia metodológica as entrevistas de modelo narrativo com posterior análise à luz da análise de discurso de Michel Foucault.

Resultados e discussão
Através das entrevistas, ainda em fase inicial de captação e análise, vemos a construção dos discursos destas médicas acerca de suas trajetórias, enquanto mulheres negras de classe popular, ressaltando o impacto do seu acesso à Universidade já que em sua maioria são pioneiras em suas famílias a ingressarem no ensino superior e visualizam nessa experiência uma forma de mobilidade social, individual e coletiva. Reforçando a teoria de que quando uma mulher negra se movimenta toda a estrutura social também se move. Entretanto seus percursos formativos, por vezes, diferem do que outros estudantes vivenciaram ao longo da graduação, ora pela restrição de recursos materiais ora pela insegurança e um sentimento de não lugar no curso. Tal realidade tem aparecido como obstáculo na afiliação à vida acadêmica, já que nem sempre o acesso ao ES garante a integração adequada no que diz respeito às atividades extracurriculares, coletivas e de representação, por exemplo. Os discursos das interlocutoras deste estudo demarcam ainda o sofrimento gerado pelas manifestações de racismo a que foram expostas por parte de docentes, preceptores e usuários dos serviços de saúde e a maneira como a Instituição ainda não dispõe de mecanismos específicos para acolher as mesmas de forma responsável, além do silêncio de colegas que acompanham e às vezes reproduzem tais situações. Outro discurso que atravessa as narrativas revela a internalização de padrões racistas e patriarcais incorporando percepções negativas acerca de si mesmas no que se refere à competência, expressas ao longo do curso e também no momento de entrada no mercado de trabalho, influenciando inclusive seus cenários iniciais de atuação.

Conclusões/Considerações finais
Apesar destes resultados preliminares, faz -se necessário aprofundar as análises para melhor contribuirmos na direção de novas formas de entender e agir sobre a complexidade do sistema de ES e sua recente ocupação com corpos e histórias de vida diversos. Romper com os estereótipos, com as imagens de controle e recriar uma representação positiva de sermos mulheres negras é um desafio coletivo a que nos dispomos cotidianamente, inclusive, através deste trabalho.