Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO6.1 - Colonialidade nas políticas de saúde

47272 - RACISMO ESTRUTURAL E A PRODUÇÃO DE ESTIGMAS EM SAÚDE: UMA ANÁLISE DAS EXPERIÊNCIAS DE ADOECIMENTO POR LEISHMANIOSE CUTÂNEA EM UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE TEOLÂNDIA/BAHIA
DIANA ANUNCIAÇÃO SANTOS - UFRB, LENY ALVES BOMFIM TRAD - UFBA


Apresentação/Introdução
Cerca de 75% de todos os casos de leishmaniose no mundo são cutâneos (LC), os quais têm forte associação com a vulnerabilidade social. A LC representa um grave problema de saúde pública, reconhecida como uma doença altamente estigmatizante, haja vista as lesões resultantes da infecção acarretarem ulceração nos sujeitos deixando, na maioria dos casos, cicatrizes permanentes e, não raro, desfigurantes.
Por se tratar de uma doença negligenciada, tanto em termos de oferta dos serviços em saúde, quanto em termos de investimentos em pesquisas, há uma representação social estigmatizante sobre a doença e o sujeito adoecido, enorme desconhecimento da população sobre o que seja a LC e suas formas de contaminação e incertezas sobre as formas de tratamento e itinerários terapêuticos a serem seguidos.
Este trabalho pretende apresentar resultados parciais de um estudo inserido ao Projeto ECLIPSE - Empoderando pessoas com leishmaniose cutânea (LC): Programa de Pesquisa e intervenção para melhorar os itinerários dos pacientes e reduzir o estigma por meio do envolvimento da comunidade, coordenado pela Universidade de Keele/Inglaterra, com equipes no Brasil, na Etiópia e no Sri Lanka.


Objetivos
Compreender se as experiências subjetivas dos sujeitos de uma comunidade quilombola, situada em Teolândia/Bahia, acometidos por leishmaniose cutânea, estão associadas ao estigma em saúde e ao racismo estrutural.

Metodologia
Este trabalho está pautado em uma análise qualitativa, com foco na observação participante e entrevistas semiestruturadas, realizadas in loco, durante o primeiro semestre de 2023. A partir disso, estão sendo criadas as categorias de análise, a partir da conceituação êmica dos sujeitos acometidos pela LC, utilizando-se da análise do discurso (AD), a qual trabalha com o sentido dado às coisas e não ao conteúdo.

Resultados e discussão
O conhecimento técnico atual sobre a doença concentra-se nos aspectos biomédicos, com evidência limitada sobre o impacto psicológico da LC nos sujeitos acometidos, incluindo também, de modo geral, as comunidades afetadas e os desafios de tratamento que os indivíduos enfrentam.
Os dados revelam que o autocuidado tem sido o primeiro passo tomado pelos/as portadores/as da LC nesta localidade, principalmente, pelas dificuldades de deslocamento e a falta de recursos financeiros para custear o tratamento no Centro de Referência em Leshimaniose (CRL), situado no município de Presidente Tancredo Neves/Bahia; das reações adversas dos procedimentos para tratamento das lesões e dos processos discriminatórios enfrentados neste percurso. Pode-se observar também que o estigma produzido em relação à LC promove um isolamento social de quem está acometido pela doença, que se afasta por medo da exposição de suas lesões cutâneas.
Além disso, o preconceito e a discriminação decorrentes do fato das pessoas pertencerem a uma comunidade quilombola, têm produzido um discurso negativo de uma relação estreita do adoecimento e o marcador étnico-racial.
Desse modo, tal análise demarca que fatores sociais, econômicos e políticos são importantes para identificar que alguns indivíduos e/ou grupos estão submetidos a um maior risco de adoecimento por LC.
As narrativas revelam também um despreparo dos/as profissionais de saúde no acolhimento e atendimento a esta população. Seus conhecimentos e métodos tradicionais de pensar as representações sociais da saúde e formas de cuidado não têm diso valorizados e respeitados, transformando-se em instrumentos de exclusão e estigmatização.


Conclusões/Considerações finais
O contexto sócio-histórico da comunidade em análise, sobretudo, no que se refere às condições de saúde, às situações de adoecimento e aos itinerários terapêuticos percorridos, revela que o racismo estrutural atua sobre a complexa tríade saúde-doença-cuidado como um processo de determinação social de saúde no caso da LC. Assim, destaca-se que a realidade da situação de saúde desta população é fundada num processo de vulnerabilização social, permanecendo inalterada por suas condições socioambientais e políticas, fortalecidas pelo racismo estrutural.
Em suma, a produção dos estigmas na definição de atendimento nas instituições de saúde dificulta ainda mais o acesso desta população, pois a presença do racismo interpessoal e do racismo institucional se fazem legitimados pelo aparato legal do Estado e das representações sociais estabelecidas na região. O estigma em relação à LC tem atribuído características negativas e depreciativas em relação aos sujeitos acometidos por esta doença, fomentando a construção de atributos e estereótipos negativos que fortalecem as desigualdades em saúde.