Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO8.1 - Cronicidade, deficiência e pluralidades na construção de outros possíveis

46375 - CORPO, DEFICIÊNCIA E DANÇA: REFLEXÕES SOBRE UMA PRÁTICA DOCENTE EM SAÚDE COLETIVA
FERNANDA JORGE MACIEL - ESP-MG


Contextualização
Sou uma mulher com deficiência física, doutoranda em Educação, professora da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais (ESP-MG) e bailarina, apaixonada pela dança. Qualquer dança? Não, mas por aquelas que produzem deslocamentos na ideia de dança e de estética do movimento, tal como a improvisação em dança. Questionar a dança e o movimento tem me levado a reflexões sobre corpo e deficiência e influenciado minha prática como docente-pesquisadora-aluna-bailarina. Com esses incômodos, venho dançando, estudando, pesquisando e produzindo encontros e aprendizados com trabalhadores do SUS que passam pela ESP-MG. Uma das perguntas que tem me orientado é “O que faz da deficiência uma deficiência?” Sustentada nas reflexões que a Teoria Crip (McRuer, 2021) oferece sobre a noção de deficiência e na problematização sobre a dicotomia corpo-mente (ASPIS, 2021), venho abordando o tema da deficiência na pesquisa e na docência. Nesse relato abordarei como a presença do meu corpo “deficiente” e a dança tem sido recursos para provocar o pensamento e os outros corpos que comigo dividem a sala de aula, em um exercício de inversão de lógicas. Ao invés de questionar teoricamente os estigmas da deficiência, venho transformando os olhares de estranhamento sobre meu corpo e os incômodos não ditos sobre minha deficiência em estratégia para problematizar a ideia de deficiência, tendo a dança como intercessora.

Descrição
Relato da minha experiência docente nas discussões acerca da deficiência, junto a estudantes-trabalhadores do curso de Especialização de Saúde Pública da ESP-MG, das turmas de 2022 e de 2023

Período de Realização
2022-2023

Objetivos
Relatar/refletir sobre minha prática docente, como pessoa com deficiência, em discussões sobre deficiência junto a estudantes-trabalhadores da ESP-MG, tendo a dança como intercessora

Resultados
Na turma de 2022, iniciei a aula com uma performance de improvisação em dança, em diálogo com uma bailarina bípede. Os estudantes apontaram que isso possibilitou se aproximarem da noção de deficiência com suas afetações, abrindo brechas, por vias menos cognitivas e menos vinculadas ao modelo biomédico, para repensar também o modo como têm produzido o cuidado. Com a turma de 2023, optei por inserir os corpos dos estudantes no processo com a seguinte questão: você considera que possui alguma incapacidade? Em seguida, abordei a noção de (in)capacidade à luz da Teoria Crip, e tive dificuldades em dar continuidade à discussão, frente aos questionamentos dos alunos: “Capacidade ou incapacidade de quê? É preciso especificar, pois pode se tratar de algo muito amplo!”.

Aprendizados
Na primeira experiência, levar o corpo com deficiência em uma proposta artística de dança produziu deslocamentos no pensamento sobre deficiência, pela via da afetação. A dança e meu corpo de professora com deficiência funcionaram como intercessores e como estratégia para problematizar o conceito. Na segunda experiência, os estudantes apontaram a necessidade de filiar a discussão de (in)capacidade a determinados corpos. Eu, uma pessoa com deficiência, estava propondo analisarmos a (in)capacidade de forma não delimitada estritamente a um corpo “deficiente”, o que pode ter intensificado os incômodos dos estudantes, me levando a algumas reflexões.

Análise Crítica
Há uma dança hegemônica, vinculada a um modelo de movimento, assim como há um corpo hegemônico, vinculado a um padrão estético e funcional. Se utilizamos outra possibilidade de dança (tal qual a improvisação) como intercessora para provocar outros caminhos do pensamento, é possível criar modos outros de conceber a deficiência. Se afetar pela dança com outra estética pode produzir fissuras para criações que incluam a deficiência em devir e para se reivindicar um cuidado em saúde pautado nas singularidades dos sujeitos? Essa segue sendo uma aposta. Por outro lado, discutir sobre deficiência de forma limitada aos corpos com deficiência, como solicitado pelos estudantes da turma de 2023, pode ser um caminho arriscado. Se, como propõe McRuer (2021), o corpo capaz existe apenas de modo idealizado e foi/é criado com base no corpo desviante concreto, o que está em jogo é se existe alguém completamente (in)capaz ou se todos nós: possuímos uma fluidez de capacidades e algum grau de fragilidade/dependência; estamos sob um mesmo imperativo, que é o da corponormatividade compulsória, que, em alguma medida, é produtor da deficiência e da exclusão decorrente dessa experiência. Não aceitar a possibilidade de uma (in)capacidade fluida, coloca o sujeito com deficiência sempre como O Outro na relação de cuidado e o profissional de saúde localizado “fora”, posição de distanciamento. É preciso, portanto, refletirmos sobre as implicações disso nas práticas de cuidado e ampliarmos a discussão de deficiência para além dos corpos “desviantes”.
McRUER,R. Teoria Crip – signos culturares de lo queer y de la discapacidad. Madrid, Espanha: Kaotica Libros, 2021.
ASPIS, renata lima. Fazer filosofia com o corpo na rua: experimentações em pesquisa. Belo Horizonte: Mazza. Edições, 2021.