01/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO8.1 - Cronicidade, deficiência e pluralidades na construção de outros possíveis |
47147 - POSSÍVEIS SENTIDOS DA DEFICIÊNCIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: HÁ ESPAÇO PARA A DECOLONIALIDADE? LILIA CAMPOS NASCIMENTO - ISC/UFBA, SILVIA DE OLIVEIRA PEREIRA - CAHL/UFRB, ISABEL MARIA SAMPAIO OLIVEIRA LIMA - INSTITUTO MOINHO DE PAZ E ISC/UFBA
Apresentação/Introdução As compreensões sobre deficiência costumam ser apresentadas segundo três modelos explicativos: biomédico, social e psicossocial, associados a processos históricos e políticos distintos e, portanto, a construções de sentidos singulares. As disputas entre os modelos se fazem presentes também no campo da saúde. No Brasil, o reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência foi influenciado por instituições internacionais, sediadas em países da Europa e nos EUA, e simboliza a legitimação de sua humanidade. A política de saúde das pessoas com deficiência se alinha às definições dessas instituições internacionais e ratifica algumas das suas principais formulações, como o modelo social e a Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Por outro lado, o feminismo decolonial tem apresentado novas perspectivas sobre a deficiência: identidade, pertencimento, modos de existir e experimentar o mundo, evidenciando e desafiando matrizes de opressão sustentadas pelo binarismo e, portanto, capacitistas. Aqui, a emancipação da população com deficiência parte de viradas epistemológicas profundas que transgridam as diferentes formas de opressão e subordinação social, especialmente as baseadas na corponormatividade. A existência de tais perspectivas atribui diferentes sentidos à deficiência e requer análises sobre as políticas de saúde.
Objetivos Identificar os sentidos atribuídos à deficiência contidos nas políticas de saúde nacional e local de um estado do nordeste brasileiro.
Metodologia Foram analisados três documentos normativos de políticas de saúde das pessoas com deficiência: a portaria ministerial 793/2012 que institui a rede de cuidados à pessoa com deficiência, as diretrizes da referida rede instituídas pela secretaria de saúde de um estado do nordeste brasileiro (2013) e seu plano de ação (2020). Enquanto os documentos de 2012 e 2013 se referem à implementação da rede de cuidados à pessoa com deficiência, o plano de ação descreve as ações estaduais a serem executadas oito anos após a sua implementação. Foram destacados, incialmente, os trechos com referências à deficiência e, na leitura final, foram identificados os núcleos de sentidos de cada trecho. Os recortes referentes à deficiência e os seus respectivos núcleos de sentido foram registrados e categorizados segundo o valor semântico de cada núcleo.
Resultados e discussão A partir dos núcleos de sentidos identificados nos três documentos, foram elaboradas quatro categorias de sentidos: funcionalidade; risco; diversidade; e direitos. A funcionalidade se destaca como a categoria mais recorrente, sendo utilizada para caracterizar a deficiência quanto à função do corpo prejudicada (física, auditiva, intelectual, visual, ostomia e múltiplas) e sua duração. Seus núcleos de sentidos reforçam a relação entre deficiências e disfunções segundo um padrão de capacidades e produtividade. A categoria risco agrega os sentidos da prevenção, precocidade e vulnerabilidade e se relaciona com a funcionalidade, porém adiciona a ação de controlar a ocorrência da disfunção, de impedir o que não é desejável: as experiências funcionais e corporais desviantes da corponormatividade. A diversidade se constitui pelos sentidos da especificidade, demandas, necessidades, estigma e preconceito. Ao tratar da diversidade da deficiência, os documentos denunciam a posição de subalternidade das pessoas com deficiência, mas não direcionam ações ou diretrizes para enfrentar os meios que sustentam tais opressões. Na categoria direitos, a deficiência é apresentada segundo o respeito à legitimidade das pessoas com deficiência através da garantia do acesso ao direito, inclusão, autonomia e independência.
Conclusões/Considerações finais A análise dos documentos sugere que no campo das políticas de saúde a deficiência ainda é concebida em oposição às referências de capacidade e produtividade. A máxima da funcionalidade segue firme no direcionamento do cuidado em saúde às pessoas com deficiência. Os sentidos da deficiência se limitam à disfunção que a caracteriza, o que pode sustentar compreensões e práticas capacitistas. Nos documentos, o reconhecimento e a garantia de direitos são apresentados como a forma de legitimar a humanidade da pessoa com deficiência. Entretanto, a humanização da pessoa com deficiência diz mais sobre seus direitos legais do que sobre o reconhecimento e a afirmação de sua existência, das especificidades de existir um corpo que desvia (e desafia) às normas. Nota-se que os documentos preservam uma coerência mesmo sendo produzidos em cenários políticos distintos, o que não parece ter produzido significativas mudanças teóricas e práticas na direção da emancipação da população com deficiência segundo a perspectiva da decolonialidade. Finalmente, fica a questão sobre quais diálogos são possíveis de estabelecer entre a perspectiva decolonial e as atuais políticas de saúde direcionadas às pessoas com deficiência.
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