Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO11.1 - Envelhecimento, pandemia de Covid-19 e interseccionalidades

46382 - PESSOAS IDOSAS QUE (NÃO) MORAM SÓS NA PANDEMIA DE COVID-19: FAZENDO PARENTES NÃO HUMANOS
CÍCERO NARDINI QUERIDO - FACULDADE DE MEDICINA DA USP, JOSÉ RICARDO DE CARVALHO MESQUITA AYRES - FACULDADE DE MEDICINA DA USP


Apresentação/Introdução
INTRODUÇÃO: Paralelamente ao reconhecido fenômeno de envelhecimento da população, uma outra mudança demográfica vem ocorrendo na sociedade brasileira nos últimos anos: o aumento da proporção de pessoas idosas que moram sós. Um estudo conduzido com dados do censo de 2013 revelou que essa proporção, na região Sudeste do Brasil, é de aproximadamente 15%, com tendência de aumento significativo nos próximos anos. Há crescente atenção voltada para esse segmento populacional, tendo em vista que estudos epidemiológicos sugerem uma associação entre arranjo domiciliar unipessoal e desfechos de saúde negativos, como maior dependência funcional e mortalidade.
A pandemia de COVID-19 e a reconfiguração radical por ela promovida em nossas relações tensionou dramaticamente as dinâmicas de vida das pessoas idosas. Dada a maior chance de morrer pela doença infecciosa que se observou em indivíduos mais velhos, uma série de estratégias e ações foram implementadas pelo poder público e sociedade civil tendo como norte o conceito de “grupo de risco”. Tal orientação teve, de maneira análoga ao ocorrido diante de outros fenômenos epidêmicos da história humana, um duplo efeito: se, por um lado, medidas preconizadas para minimizar o risco de contágio apresentaram efeito protetor para as pessoas idosas (ou ao menos parte delas); por outro, culminaram no acirramento de representações simbólicas etaristas e no aprofundamento de iniquidades sociais previamente existentes. Nesse sentido, faz-se necessário produzir e implementar outras estratégias de cuidado, mais consoantes com os projetos existenciais de sujeitos e coletividades, e que portanto levem em consideração não apenas as dimensões individuais que concorrem para os processos de saúde e doença, mas também os fatores de ordem social e programática.
O contexto específico experimentado pelas pessoas idosas que residem em arranjo domiciliar unipessoal fez da pandemia de COVID-19 um desafio de importância singular, dadas as consequências óbvias de se instar indivíduos que moram sozinhos a permanecerem em suas casas. Ao mesmo tempo, tomando o referencial teórico das vulnerabilidades, entendemos que os sujeitos, ao se depararem com obstáculos a seus modos de andar a vida, produzem dialeticamente respostas criativas e novas narrativas, “transformando-se-com” o mundo e os outros seres que nele habitam. É, portanto, sobretudo pelo potencial (re)criativo de suas dinâmicas relacionais e afetivas em um momento histórico crítico, bem como pela consequente fecundidade expressiva de suas narrativas, que nos propusemos ir ao encontro da experiência desses sujeitos em particular.


Objetivos
OBJETIVOS: Compreender, a partir de narrativas de pessoas idosas que moraram sós durante a pandemia de COVID-19, suas relações de interação e alteridade significativa com seres não humanos, iluminando a potencialidade desses arranjos como novas formas de coprodução de Cuidado.


Metodologia
METODOLOGIA: Este trabalho é parte de uma investigação de caráter qualitativo, orientada pela perspectiva da hermenêutica filosófica, cujo objetivo geral é compreender como se deu a experiência de pessoas idosas que moraram sós durante a pandemia de COVID-19, apoiando-se no quadro teórico da vulnerabilidade. Participaram como interlocutores pessoas com idade superior a 60 anos e em arranjo domiciliar unipessoal, cuja seleção se deu almejando a diversidade dos entrevistados quanto a gênero, raça, nível educacional e região de residência no município de SP. As entrevistas em profundidade foram conduzidas pessoalmente pelo investigador principal, privilegiando a casa do interlocutor como o local de escolha para o estabelecimento do diálogo. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas, e o discurso dos interlocutores foi analisado privilegiando sua forma narrativa, através da qual, pela perspectiva hermenêutica, o sujeito se constitui no mundo, em relação com as alteridades que o circundam.


Resultados e discussão
RESULTADOS: As narrativas, produzidas por 12 interlocutores com trajetórias de vida e recortes sociodemográficos diversificados, iluminaram de maneira significativa as relações de parentesco e alteridade significativa entre as pessoas idosas e seres não humanos. A análise do material empírico apoiou-se em aportes teóricos das pensadoras Donna Haraway e Vinciane Despret e do filósofo e líder indígena Ailton Krenak, com suas concepções de relações de parentesco e ecologia afetiva. As interações e dinâmicas de co-cuidado estabelecidas com cachorros, gatos e plantas foi fundamental para que os interlocutores, a despeito de seu arranjo domiciliar, não atravessassem a sós a pandemia.


Conclusões/Considerações finais
CONCLUSÕES: Se, para a perspectiva que orienta essa investigação, narrar é, por si, produzir mudanças no mundo, há que se olhar para as relações de alteridade significativa e parentesco com outros seres terranos no que essas carregam de potencial para a co-produção criativa de novas formas de Cuidado.