01/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO14.1 - Gênero, cuidado, saúde e trabalho |
47111 - “APRENDIZADO, PORTANTO, NÃO PRECISAVA DOER TANTO”: NARRATIVAS DE TRABALHADORAS DA SAÚDE SOBRE O TRABALHO E A PRODUÇÃO DO CUIDADO NA PANDEMIA DE COVID-19 MARCELA LOBÃO DE OLIVEIRA - UFMA, ZENI CARVALHO LAMY - UFMA, LEIDY JANETH ERAZO CHAVEZ - UFMA, POLIANA SOARES DE OLIVEIRA - UFMA, RODRIGO NATAN DO NASCIMENTO ALMEIDA - UFMA, LAURA FROES NUNES DA SILVA - UFMA, RUTH HELENA DE SOUZA BRITTO FERREIRA DE CARVALHO - UFMA
Apresentação/Introdução A pandemia como um fenômeno global e local trouxe mudanças em todas as dimensões da vida social. A velocidade das transformações ocorridas produziu impactos que ainda hoje sofremos suas repercussões. A pandemia não afetou a todos da mesma maneira. Diferentes Estados produziram variadas respostas à emergência sanitária. Distintos grupos sociais estiveram mais ou menos expostos ao risco da contaminação. No Brasil, a pandemia agravou ainda mais uma crise econômica e política que estava em curso. No âmbito da saúde, a ausência de coordenação a nível do governo federal trouxe prejuízos incomensuráveis, resultando em excesso de mortes, contabilizando 693.853 óbitos em dezembro de 2022. No Maranhão, no mesmo período, foram 11.034 óbitos. Profissionais da saúde estiveram muito expostos à nova doença, especialmente na chamada 1ª onda. Estudos buscaram compreender as experiências de profissionais de saúde e usuários naquele momento cercado de tantas incertezas e indefinições, mas poucos trabalhos incluíram os trabalhadores temporários. Foram muitas as dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores da saúde no período da pandemia. O número excessivo de mortes de pacientes, a impossibilidade de familiares acompanharem seus parentes provocaram mudanças e repercussões na relação entre profissionais, pacientes e familiares, em especial no que concerne ao cuidado e à empatia entre trabalhadores da saúde e os pacientes.
Objetivos Compreender a produção do cuidado e seus desafios na perspectiva das trabalhadoras de saúde durante a pandemia de covid-19
Metodologia Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo exploratória realizada no período de 2022 a 2023, no município de São Luís, Maranhão, com trabalhadores da saúde do Hospital Universitário (HU-UFMA) que estiveram em atividade desde o início da pandemia de covid-19. Foram incluídos gestores e profissionais da assistência em saúde. A coleta de dados ocorreu por meio de questionário sócio demográfico e entrevista semiestruturada feita de modo presencial e online. A amostra foi definida intencionalmente, em cada segmento de entrevistados, o fechamento amostral foi adotado pela técnica de saturação de sentidos e a análise dos dados foi baseada na análise de conteúdo na modalidade temática. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados e discussão Foram entrevistados 24 (vinte e quatro) profissionais da saúde, sendo 04 (quatro) gestores, 16 (dezesseis) profissionais da assistência em saúde efetivos e 04 (quatro) profissionais temporários. Destes, 21 (vinte e um) se denominaram do gênero feminino. Ficando evidente que a força de trabalho na área da saúde é majoritariamente feminina e que o papel do cuidado, como construção social, é imputado à mulher. O desconhecimento da doença e os riscos de contaminação e morte vieram acompanhados de incertezas e medo. No âmbito familiar, o medo de contaminar seus familiares, principalmente filhos e pais idosos fez com que estas trabalhadoras transferissem cuidados que estavam a seu cargo a outras figuras femininas, da própria família e/ou da vizinhança. No ambiente laboral, mudanças na dinâmica hospitalar resultaram no impedimento de visitas familiares aos pacientes internados. Tal isolamento produziu mudanças nas relações profissionais-pacientes que, em muitos casos, se mobilizaram de maneira mais empática, não somente com relação ao sofrimento dos pacientes, mas também dos seus familiares. Naquele contexto, profissionais de saúde assumiram cuidados atribuídos aos familiares, como a disponibilização de itens de higiene pessoal e outros, de maior proximidade, mais emocionais, como “pegar na mão” dos pacientes em momentos de aflição, isolamento e também em momentos de espiritualidade durante as vivências de angústias. Em relação aos familiares, houve preocupação das profissionais da saúde de “como eles estavam do lado de fora”, sendo utilizadas estratégias para viabilizar a comunicação entre os pacientes e seus familiares. Em caso de falecimento, o cuidado se estendeu a pequenos rituais fúnebres, como o de acompanha-los para que pudessem se despedir do paciente, vítima da covid-19, mesmo que por detrás de uma janela de vidro. As entrevistas constituíram-se em momentos de reflexões sobre o fazer em saúde. Nas narrativas das trabalhadoras estavam presentes dor e sofrimento que tornaram a tentativa de “fazer a saúde” um desafio sem precedentes. As profissionais de saúde, pacientes e familiares, produziram-se mutuamente; produziram modos de sentir, representar e vivenciar necessidades para “fazer a saúde”. Denomina-se como o “trabalho vivo em ato” que ocorre no exato momento em que é executado e a pandemia de covid-19 fez com esse trabalho vivo em ato voltasse para um cuidado mais empático diante dos sentimentos de angústia, incertezas e das vivências excessivas de mortes.
Conclusões/Considerações finais Os contextos hospitalares formam uma densa rede de múltiplas interações; trazendo o poder da gestão do outro, da vigilância, produzidos através do cuidado, no qual ainda predomina o trabalho feminino. Sendo assim, a pesquisa demonstra que o maior desafio para as trabalhadoras da saúde foi o de conciliar a jornada de trabalho na pandemia de covid-19 com as demandas familiares. É também neste período que se evidencia a centralidade do trabalho de cuidado pelo gênero feminino que mesmo frente às vivências de medo, sofrimento, morte e luto, se apropriaram e gerenciaram conflitos que se desenrolaram em diferentes ações de cuidado aos próprios familiares, aos paciente e às famílias destes. A visibilidade do trabalho feminino em saúde, levanta pois, em caráter reflexivo, uma preocupação frente as sobrecargas emocionais e físicas sofridas por esse coletivo de trabalhadoras e as possíveis repercussões em suas vidas. Faz-se necessário, acompanhar e gerenciar o cuidado para com essa classe profissional, mesmo que elas tenham afirmado ter sido “uma missão” e um grande aprendizado como na emergência sanitária vivenciada.
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