01/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO15.1 - Cuidado, acolhimento e direitos humanos |
46129 - AS REDES AFETIVAS, O CUIDADO E A SAÚDE ENTRE PESSOAS NÃO-MONOGÂMICAS LGBT+: UMA ETNOGRAFIA DIGITAL ADRIANE SOARES GALDINO - UFPE, ALEF DIOGO DA SILVA SANTANA - USP, EDNALDO CAVALCANTE DE ARAÚJO - UFPE
Apresentação/Introdução A Lei Orgânica da Saúde estabelece o acesso integral à saúde como um dos seus princípios fundamentais, a fim de garantir o cuidado a todos os indivíduos (BRASIL, 1990). No entanto, os serviços de saúde e políticas públicas que sustentam e reproduzem a mono e cisnormatividade como a “natural”, divergem das formulações no que se discute família, saúde, cuidado e relações sociais que os sujeitos dissidentes à norma reivindicam para si (PAULINO; RASERA; TEIXEIRA, 2019; SANTOS; SILVA; FERREIRA, 2019). O processo social que ignora a existência de pessoas não-monogâmicas na sociedade resulta também em instituições e profissionais de saúde que não se mostram preparados para lidar com as demandas de saúde dessa população. Assim, interpretamos que seja importante realçar questões acerca da concepção de família, cuidado e saúde de indivíduos LGBTI+ não-monogâmicos, sobretudo, em uma perspectiva que mais questiona tais categorias analíticas do que as consideram como questões dadas.
Objetivos Analisar a concepção de família, cuidado e saúde de pessoas LGBTI+ não-monogâmicas membras de um grupo on-line.
Metodologia O referencial teórico-metodológico utilizado foi a etnografia digital (HINE, 2020). A pesquisa de campo ocorreu entre setembro de 2021 e agosto de 2022 e foi conduzida pelos principais pesquisadores em um grupo no WhatsApp de pessoas não-monogâmicas intitulado "NM em foco - Debates NM 1". Após 11 meses de observação participante, realizamos convites para 4 interlocutores participarem de entrevistas individuais, seguindo os critérios de inclusão: a) ser pessoa LGBTI+ membros do grupo em questão; b) ser não-monogâmico; c) ter idade igual ou superior a 18 anos; e d) aceitaram participar voluntariamente da pesquisa por meio da concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas ocorreram via Google Meet, com duração média de 70 minutos. Os chats públicos do grupo investigado também foram considerados como material empírico e foram analisados utilizando a análise temática de Flick (2009). A triangulação metodológica foi utilizada para garantir a confiabilidade do estudo.
Resultados e discussão O modelo familiar burguês monogâmico, e a própria lógica da família nuclear, reiteradamente rejeitada pelos membros, é ponto central das discussões e problematizações realizadas no grupo. Embora o conceito de família nuclear seja rejeitado, identificamos que ainda não há um consenso sobre como seria o modelo ideal. Pode-se afirmar que a definição de família para os participantes integra aspectos subjetivos que vão além das definições de configuração familiar institucionalizadas baseadas em fatores biológicos e legais, ligada, inclusive, a aspectos de convivência (WAGNER, 2011). Para os interlocutores, as redes, os laços afetivos e a troca baseada em afinidades mútuas – sem, necessariamente, ter algum grau de parentesco sanguíneo ou vínculo com instituição jurídica, estão mais próximas como modelos que devem ser alcançados para se viver. As discussões sobre saúde e cuidado com nossos interlocutores eram balizadas a partir de experiências vivenciadas não só nas relações afetivas-sexuais, mas também no acesso dessas pessoas aos serviços de saúde. Apesar disso, identificamos que ao abordar a temática sobre saúde, houve divergências que nos parecem estar associadas às perspectivas, pontos de partidas e marcadores– raça, classe, deficiência e gênero. A saúde mental para os interlocutores se mostra como um aspecto importante a ser considerado dentro das relações não-monogâmicas, considerando, principalmente, o contexto de viver em uma sociedade que reproduz a monogamia incessantemente, modulando as experiências de vida e a própria subjetividade dos interlocutores.
Conclusões/Considerações finais No que se refere ao conceito de família, identificamos o distanciamento das pessoas não-monogâmicas em relação ao conceito nuclear. No entanto, as divergências no discurso indicam um processo em andamento de legitimação e rompimento radical com a ideia socialmente estabelecida do que é ser família. Nesse sentido, pensar uma alternativa à ideia de família, emerge a partir da ideia de redes: afetivas, de cuidado e coletivas, todas baseadas na ajuda mútua e na consciência ancestral. Ao abordar saúde e cuidado, o discurso é acentuado por marcadores de raça, classe e gênero. A noção de saúde e cuidado é modelada pelos contextos sociais vivenciados por cada indivíduo, incluindo o acesso aos serviços de saúde. Para os interlocutores, há uma problemática na prestação dos serviços de saúde, que não atendem efetivamente às suas demandas de cuidado. A investigação também sugere a necessidade de explorar a realidade das pessoas LGBTI+ não-monogâmicas negras, especialmente no que diz respeito à saúde mental, pois as diferentes posições sociais e seus respectivos marcadores, como classe e raça, influenciam as formas de acessar, ver e experimentar o mundo.
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