Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO15.1 - Cuidado, acolhimento e direitos humanos

46271 - APRENDIZADOS NA ORGANIZAÇÃO DA REDE DE PRODUÇÃO DE CUIDADOS ÀS PESSOAS TRANSEXUAIS E TRAVESTIS EM UMA REGIÃO DE SAÚDE DA GRANDE SÃO PAULO (GSP)
GERALDA AP. VIEIRA DE CARVALHO - FSPUSP, MARÍLIA CRISTINA PADRO LOUVISON - FSPUSP


Contextualização
O Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais (ASITT) do Centro de Referência e Treinamento-DST/AIDS-SP (CRTSP), ligado à SESSP, oferta o processo transexualizador desde 2009. O CRTSP promoveu a descentralização propondo aos gestores municipais assumirem o cuidado da população trans (Travestis e Transexuais). Trata-se de uma tentativa de dissociar as ofertas de cuidado à população trans das IST/AIDS, fazendo valer o direito ao atendimento humanizado e livre de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Neste resumo, apresento a experiência de participar da descentralização do processo transexualizador na região de saúde do Grande ABC/GSP como apoiadora da SESSP.

Descrição
Ao participar das reuniões das CIR (Comissões Intergestores Regionais), o CRTSP ressaltava que o processo transexualizador, para além da hormonização, “envolve o investimento na sensibilização e instrumentalização da rede de cuidados no que se refere ao direito das pessoas trans a terem acesso a uma atenção em saúde acolhedora, livre de preconceito, julgamentos morais e práticas discriminatórias, garantia e respeito ao nome social e sua incorporação efetiva tanto no âmbito relacional como nos registros internos dos equipamentos de saúde”. A CIR do Grande ABC constituiu um grupo de trabalho (GT), formado por técnicos municipais e da SESSP que atuam na região e uma apoiadora do ASITT/CRTSP, para estudar a criação de ambulatório regional voltado à hormonização. Após diversos encontros e análises, o GT levou à CIR proposta contrária à criação de ambulatório médico e, ao invés disso, sugeriu a promoção do cuidado integral das pessoas trans a partir da atenção básica (AB).

Período de Realização
Desde junho/2021

Objetivos
Organizar a rede de atenção para garantir o acesso à saúde de pessoas trans; realizar projeto educacional aos profissionais de saúde sobre identidade de gênero e sexualidade; promover interlocução entre os atores da saúde, sociais e outras áreas no campo da atenção integral.

Resultados
Mais de 500 profissionais de saúde participaram de oficinas sobre temas ligados à identidade de gênero, sexualidade, acolhimento, cuidados humanizados aos trans; interlocução com os 2 hospitais estaduais da região que realizam cirurgias transexualizadoras para melhor compreensão e organização dos fluxos. Atualmente mais de 200 trans são atendidos nas referências municipais para o processo transexualizador com equipe multiprofissional que aciona outros serviços conforme as necessidades; 3 momentos diferentes de capacitação sobre hormonização com CRTSP para médicos, farmacêuticos, psicólogos; aproximação de lideranças trans etc. Reuniões bimensais do GT para monitoramento do projeto e continuidade da troca de experiências e desafios. Para isso, foi necessário mútuo apoio entre os interlocutores regionais da SESP e das SMS.

Aprendizados
O amplo debate de ideias, somado às experiências anteriores de pelo menos dois municípios, que já dispunham de ofertas de cuidados às pessoas trans, fez com que todos reconhecessem o desafio de convencer os gestores a investirem na promoção da equidade para pessoas trans, a partir da AB, compreendido sob a perspectiva das suas vulnerabilidades, buscando induzir iniciativas políticas e operacionais para a proteção dos direitos humanos e sociais. Também foi de extrema importância ter membros da comunidade LGBT no GT. Vale dizer que, a maioria de nós, tinha limitações na compreensão do tema, do significado das lutas e, participar do GT, trouxe implicações profissionais e de cidadania. Neste sentido, diria que fomos alfabetizados para a conquista de uma consciência transitivo-crítica (Paulo Freire, 1979).

Análise Crítica
Nunes e Louvison (2020) ao discutirem a ecologia de saberes nas práticas de saúde referem que “A saúde como direito deve ser entendida como realização da justiça cognitiva, enquanto condição da justiça sanitária e da justiça social”. Desse modo, a produção do cuidado, na lógica da garantia de direitos, acionou uma diversidade de ofertas, como a criação de um time de futebol de homens trans para manutenção ou perda de peso enquanto aguardam a Mamoplastia Masculinizadora. E qual o sentido deste procedimento senão o direito à recuperação da dignidade, da saúde mental e vivências sociais menos violentas? Nunes e Louvison (2020) ressaltam ainda que a visão ecológica tende a mostrar os limites da monocultura da saúde biomédica, mas, ao mesmo tempo, há abertura para as “ecologias dos saberes e para ecologias do cuidado”. Neste sentido, o GT buscou se apropriar do aporte técnico-científico sobre o tema, entendendo que as demandas sociais ligadas às vulnerabilizações sofridas seriam essenciais para garantia do direito às políticas sociais universais.
Bibliografia:
BEPA. v. 15. Especial de 30 anos do CRTDST/AIDS-SP. 2018.
FREIRE, Paulo. Conscientização: Teoria e Prática da Liberdade: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. SP: Cortez & Moraes, 1979
Nunes, J. A. & Louvison, M.C.P. Epistemologias do Sul e descolonização da saúde: por uma ecologia de cuidados na saúde coletiva, Saúde Soc. SP. 2020.