Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO21.1 - Modos plurais e resistências na atenção à saúde indígena

47235 - VACINAÇÃO PRIORITÁRIA DE POVOS INDÍGENAS NO BRASIL DURANTE A COVID-19: UM ESTUDO MULTIDISCIPLINAR E PARTICIPATIVO
ADRIANA ROMANO ATHILA - PARI-C, MARIA PAULA PRATES - UNIVERSITY COLLEGE LONDON, CHRISTINE MACCOURT - CITY UNIVERSITY OF LONDON


Apresentação/Introdução
Globalmente, indígenas são um segmento social minoritário, marcado por uma história colonial de iniquidades e discriminação racial expressas em suas condições de vida e saúde. Estudos recentes reconhecem a importância da participação e da interação entre políticas de saúde e sistemas e práticas médico-sanitários nativos na superação das persistentes desigualdades entre indígenas e não indígenas, em diferentes países.
Em contrapartida, a escassez de dados sobre indígenas e a renitência dos Estados-Nacionais em assegurarem sua participação compromete o planejamento e a gestão de políticas de saúde direcionadas a seus perfis epidemiológicos e culturais, constitucionalmente prescritas no Brasil.


Objetivos
Como parte da pesquisa “Respostas Indígenas à COVID-19 no Brasil: arranjos sociais e saúde global”, nosso estudo analisa os processos, iniquidades e respostas de povos indígenas brasileiros antes e a partir da determinação judicial de sua vacinação prioritária durante a pandemia. O objetivo final é colaborar ao aprimoramento de políticas de saúde voltadas a povos indígenas durante emergências sanitárias.

Metodologia
As metodologias etnográfica e analítica foram aplicadas à compreensão da produção e do manejo dos números oficiais sobre a Covid-19 e da vacinação, em correlação com aspectos multifatoriais das respostas indígenas e dos rumos de seu acesso ou não à imunização prioritária. Dados públicos e de levantamentos colaborativos paralelos, documentos de organizações indígenas e indigenistas e fontes bibliográficas, sobretudo das ciências sociais e da saúde pública, foram recolhidos entre abril de 2020 e outubro de 2021. O material foi entrecruzado a reflexões obtidas de entrevistas semiestruturadas e rodas de conversa remotas com pesquisadores indígenas da PARI-c (Plataforma de Antropologia e Respostas Indígenas à Covid-19), em quatro macrorregiões do país, entre julho e outubro de 2021.

Resultados e discussão
Os números e documentos oficiais sobre a imunização discriminam indígenas por situação de residência, sendo mutáveis e imprecisos. Utilizando metodologias discutíveis, estes denominadores foram singularmente geridos pelo governo frente a lideranças, povos, organizações indígenas e indigenistas, instâncias judiciais do país e organismos multilaterais. O diálogo entre a etnografia de documentos, relatos e experiências de indígenas e suas organizações aponta que, em muitos casos, a vacina não foi disponibilizada ou disponibilizada prioritariamente e muito menos à totalidade dos indígenas. Quando o foi, não houve campanhas informacionais ou adoção de procedimentos decisórios dialógicos e culturalmente específicos, contribuindo decisivamente à heterogeneidade da cobertura vacinal entre aldeias diversas de mesmos povos, como entre diferentes povos e regiões. A vacina como a Covid-19 é indissociável da pouca (ou nenhuma) confiança dos indígenas em suas relações com o Estado, marcadas por epidemias exterminantes, violência estrutural e desfiguração de direitos, na história e recentemente. Doença e imunizante dialogam com este conjunto expressivo de experiências, práticas e conhecimentos nativos sobre processos etiológicos, terapêuticos, pedagógicos e decisórios, corpus este desconsiderado pelo governo brasileiro.
Em contraste com números oficiais usados em documentos públicos e fóruns institucionais, a vacinação prioritária de indígenas aconteceu de forma heterogênea. Excluiu formalmente residentes ou em trânsito entre áreas urbanas, periurbanas e territórios não reconhecidos pelo Estado. Um importante contingente ficou de fora pela adoção de critérios etários incompatíveis com perfis sociodemográficos e epidemiológicos de indígenas, por “equívocos cadastrais” da Secretaria de Saúde Indígena ou ainda por manejos políticos locais. Por fim, onde e para quem a vacinação prioritária chegou, as fakenews foram reforçadas pela ausência de campanhas informativas culturalmente específicas ou mesmo biomédicas capazes de submetê-la aos sistemas médicos e procedimentos decisórios indígenas. Entre disputas interculturais e de poder assimétricas, em muitos casos, as ações judiciais movidas por suas organizações provocam a imunização. Este conjunto multifatorial resultou no descompasso e heterogeneidade da cobertura – dentro ou entre povos e regiões - e hesitação vacinal, enquanto, sob acusações de extermínio, o governo, valendo-se exemplarmente de porcentagens vacinais oportunamente gerais, alegava “priorizar” e “respeitar” direitos indígenas, em fóruns internacionais e retratações.


Conclusões/Considerações finais
A busca própria e interação entre informações biomédicas e conhecimentos indígenas sobre a Covid-19 e a vacina, sua participação e comando em articulações interinstitucionais, campanhas e representações decidiram o acesso, qualidade, cobertura e aceitação vacinal, onde aconteceu. Seus saberes e participação precisam ser reconhecidos e fortalecidos por políticas públicas comprometidas em reverter iniquidades de saúde entre indígenas no Brasil e alhures, especialmente em emergências sanitárias.