Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO25.1 - Saúde mental, determinantes sociais e práticas emancipatórias

46637 - “DOIDAS E SANTAS”: RELATO DE EXPERIÊNCIA COM UM GRUPO DE MULHERES EM UM CAPS AD III
FRANCISCA EMANUELLE ROCHA VIEIRA - UFJF, LEANDRO DAVID WENCESLAU - UFJF, RAQUEL DE FREITAS SENA - UFJF, ISADORA COUTINHO RODRIGUES - UFJF


Contextualização
Trata-se do relato de uma experiência que ocorreu no âmbito do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do HU-UFJF, sobre um grupo de mulheres usuárias de álcool e outras drogas assistidas no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD III) de Juiz de Fora.
Cabe ressaltar que o contexto neoliberal que vivenciamos, desfavorável às políticas sociais, materializa-se no Brasil afetando a política de Saúde Mental e retrocedendo as conquistas da Reforma Psiquiátrica, ameaçando o funcionamento e manutenção dos CAPS com diversas normativas que foram publicadas nos últimos anos. Tais, são processuais a implementação de uma “Nova Política de Saúde Mental” - que na verdade trazem à tona “velhas” práticas tutelares, institucionalizantes, segregacionistas, manicomiais, cronificadoras.
Esse “novo” desenho da política de saúde mental, recheado de “velhas” práticas, permeia a perda de direito dos usuários dessa política, simultaneamente à perda de autonomia e de sua produção e reprodução dentro da sociedade. A expropriação dessa autonomia afeta diretamente a vida das mulheres uma vez que elas já são historicamente marginalizadas nessa sociedade capitalista-patriarcal.

Descrição
O grupo já acontecia antes mesmo da nossa chegada no CAPS AD III, sendo a única atividade exclusivamente direcionada para mulheres, tinha cunho educativo com ênfase em questões clínicas relacionadas à saúde da mulher e ao uso de substâncias.
Era composto por usuárias de diferentes idades e territórios da cidade, marcadas pelo uso abusivo de drogas, sendo essas as mais diversas. O número de participantes era variável, uma vez que era um grupo aberto, mas havia sete usuárias mais assíduas. Os encontros eram quinzenais, com temas pré-definidos a partir da construção coletiva e alternavam entre momentos de circulação livre da fala e encontros no território.
A perspectiva que nos orientou foi a da Redução de Danos e optamos pela metodologia da Educação Popular para o manejo do grupo, uma vez que sua práxis pode proporcionar o potencial ganho de gestão autônoma da vida. Pensamos a Educação Popular não como meio para um fim, sendo este a conquista da autonomia, mas sim como uma das estratégias para potencialidade dessa. Acreditamos que a autonomia concreta só é possível mediante a superação da sociedade capitalista.
A mediação do grupo se deu através de equipe multiprofissional (psicóloga, enfermeira e assistente social). Pretendeu-se o exercício do trabalho interprofissional, entendendo a complementaridade das formações e respeitando suas especificidades como potencialidade para o trabalho com centralidade no sujeito.


Período de Realização
De março a agosto de 2019.

Objetivos
Fortalecer a autonomia das mulheres participantes em relação à direção de seus tratamentos e à própria existência enquanto sujeitos.


Resultados
Inicialmente o grupo era chamado de “Grupo de mulheres” e logo nos primeiros encontros percebemos como as participantes associavam as suas existências ao uso de drogas, na medida em que durante as apresentações se definiam com frases como: “Sou Maria e uso crack há 3 anos”.
Após o segundo encontro passamos a discutir formas de apresentação que não estivessem relacionadas ao uso de substâncias, questionamos quais eram suas preferências e desejos, compartilhamos histórias de vidas, utilizamos de poesias, músicas e outras artes, extrapolamos os muros do CAPS ao propor a ocupação de outros espaços da cidade.
Durante os encontros percebemos que o tema do uso abusivo de drogas, marcante na vida dessas mulheres e no próprio nome da instituição em que nos encontrávamos, foi cedendo cada vez mais espaço para outros elementos de suas rotinas e existências. Foi então que uma participante sugeriu a nomeação do grupo de “Doidas e Santas”, com base em uma crônica de Martha Medeiros lida em um dos encontros em que discutimos o que é ser mulher, as suas nuances e como circulamos em meio a inúmeros estereótipos.
O nome foi acolhido por todas, percebemos ali um senso de pertencimento e fortalecimento do grupo. Essas mulheres puderam, através da fala e do vínculo, trocar, entre si, entre os lugares sociais que ocupam e, a partir disso, fortalecer suas autonomias, individualmente e principalmente enquanto grupo.


Aprendizados
Entendemos a necessidade da dimensão pedagógica/socioeducativa no trabalho em saúde e a importância do diálogo para a construção de uma consciência crítica, a fim de prover os usuários (no caso, as mulheres), com capacidades para uma autonomia crítica sobre os determinantes da vida (sociais, políticos e econômicos).


Análise Crítica
A experiência nos mostrou que apesar do CAPS ser um dispositivo que representa a Reforma Psiquiátrica Brasileira, é necessário estarmos atentos a não reprodução de intervenções manicomiais, que reduzam as pessoas usuárias a rótulos de diagnósticos e comportamentos, nestes espaços.