Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO26.1 - Racismo estrutural, violências institucionais e direitos humanos: quais vidas importam?

46630 - LIMITES DA GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL – VIOLAÇÕES DE DIREITOS EM AÇÕES LOCAIS DE INTERNAÇÕES INVOLUNTÁRIAS
LUCIANA DOS SANTOS SCARASATI - UFSC, CAROLINE APARECIDA DA SILVA - CAPS II DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC, WALTER FERREIRA DE OLIVEIRA - UFSC


Contextualização
Nos últimos meses tem se intensificado na mídia, notícias acerca de programas de governo, em nível local, direcionados ao atendimento de pessoas com uso de substâncias psicoativas, principalmente as que se encontram em situação de rua. Os casos ganharam notoriedade e amplificaram suas ações no estado de Santa Catarina. Tudo começa quando a Prefeitura de Chapecó deflagra o que intitularam de “Operação Internamento Involuntário”, a ação adveio da promessa do prefeito daquela localidade de que iria “tirar das ruas os dependentes químicos e encaminhá-los para tratamento, seja voluntário, seja involuntário”. Ato contínuo, ainda em Santa Catarina, em 19/4/2022, o Deputado Ivan Naatz propôs junto à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei n. 0085.0/2022, que dispõe sobre as formas de proteção das pessoas acometidas de dependência química por meio do Programa Estadual Saúde sem Drogas, que busca regulamentar as ações de internações involuntárias. Mais recentemente, no mês de maio de 2023, a sociedade catarinense é novamente surpreendida por ações de internações involuntárias, desta vez por parte do município de Balneário Camboriú, as quais, além de retirar indivíduos das ruas de maneira coercitiva, os mantinha em local supostamente definido como “Clínica Social”.

Descrição
Diante da flagrante violação de direitos para que fossem realizadas internações involuntárias de dependentes químicos em condição de moradores de rua de forma arbitrária pelo Município, a Equipe Técnica do CAPS II de Balneário Camboriú, após ter conhecimento dos fatos, remeteram relato das irregularidades ao Ministério Público de Santa Catarina.

Período de Realização
Durante o mês de maio de 2023, parte da equipe de saúde do município de Balneário Camboriú deparou-se com o funcionamento de uma “Clínica Social”, no horário das 19h às 7h da manhã, no qual equipe de saúde em desvio de função e equipamentos de trabalho próprios da política de saúde remanejados para a assistência social, entre eles, medicação controlada, sem a devida fiscalização dos órgãos competentes e sem alvará, além de outros prejuízos aos cuidados em saúde ao cidadão, que na intercorrência de uma situação mais grave, não possui equipe e espaço adequado para seu atendimento e socorro. Tal clínica foi criada como meio para recolher as pessoas em situação de rua e as conduzirem para internação em Comunidades Terapêuticas, de forma impositiva, desrespeitando a Lei nº 10.216/2001, que versa sobre os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo de atendimento em Saúde Mental.

Objetivos
A denúncia intentada pelos profissionais de saúde buscou impedir que a prática tivesse continuidade, uma vez que o município possui dispositivos para atendimentos para casos emergenciais, tais como unidades de Pronto Atendimento, os quais têm capacidade física e técnica para realização de contenção, avaliação, e caso seja uma solicitação do próprio usuário, encaminhamento para tratamento para o uso de substâncias psicoativas, tais como o CAPS ad.

Resultados
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ingressou com Ação Civil Pública, com pedido liminar, requerendo a imediata suspensão da abordagem a pessoas em situação de rua pela Guarda Municipal armada em Balneário Camboriú, no entanto, o pedido foi negado pelo Juízo de primeiro grau, por ausência de provas sobre a condução forçada e/ou agressão das pessoas conduzidas à Clínica Social e/ou para internação involuntária, mantendo-se o funcionamento desta. Por outro lado, o Projeto de Lei n. Lei 0085.0/2022, veio a ser arquivado em 16 de janeiro de 2023.

Aprendizados
Depreende-se do ocorrido que embora a ação do Ministério Público não tenha interrompido as práticas denunciadas, houve a abertura de um canal de diálogo entre gestores de técnicos, visando a melhoria das ações de saúde mental local.

Análise Crítica
Constata-se nos casos até então apresentados que os municípios utilizam das prerrogativas constitucionais de legislar em matéria de saúde sobre os assuntos de interesse local (Art. 30, I, da CF), não havendo excessos nesse sentido. Porém, o que se observa das práticas realizadas, são violações aos direitos fundamentais dos indivíduos envolvidos, que ultrapassam, inclusive, as esferas legislativas nacionais. Isso porque as ações empreendidas pelos gestores locais para efetivarem as internações involuntárias de pessoas que fazem uso de substância e estão em situação de rua, atingem fortemente a dignidade da pessoa humana, em total afronta aos Direitos Humanos aos quais o Brasil é signatário (Art. 5º, § 3º, da CF). Por fim, patente o caráter higienista das ações que, numa concepção preconceituosa com pessoas em situação de rua, além da condução forçada, podem estar submetendo os pacientes ao cárcere privado.