46679 - ELES SABEM O QUE FAZEM, E DAÍ? MARIA LUCIA MACARI - UFRGS
Apresentação/Introdução Em abril de 2020 ultrapassamos a marca de 5 mil mortes causadas pelo COVID-19. A reação do presidente da república quando questionado a respeito foi: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. Essa afirmação, como tantas outras proferidas pelo mencionado, causaram choque e inúmeras postagens nas redes sociais. Não diferente de 2018, principalmente no período eleitoral, as manifestações do, então candidato, eram permeadas por discursos machistas, homofóbicos, racistas, contra os pobres e completamente contrário à “moral e aos bons costumes” que afirma pregar. Ele deixou claro, em suas próprias palavras, que usava dinheiro público para “comer gente”, ao mesmo tempo em que apoiava uma campanha que pregava a abstinência sexual. Todas essas colocações não foram negadas ou rechaçadas pelos seus seguidores. Na verdade, surgiram argumentos em sua defesa: “pelo menos ele é honesto”, “ele fala o que pensa”, “ele não rouba”, etc. Lembrando que, esses posicionamentos sempre se identificavam à deriva da ideologia. É como a sua insolente colocação ao assumir o cargo em janeiro de 2019: “o viés ideológico acabou”.
Objetivos Deslocar a discussão sobre ideologia para além da ideia de “ocultamento” dos mecanismos que sustentam o status quo.
Metodologia Este trabalho é um recorte de uma tese de doutorado que utiliza, como método, a revisão bibliográfica e a escrita de ficções. Com isso, tem por objetivo fazer furo nas políticas narrativas moderno-coloniais que estabeleceram diferentes discursos e compõem com biopolíticas, dando alento ao fazer e ao deixar morrer em nossa sociedade (Costa, 2020). Através das ficções complexificamos nosso “objeto” de pesquisa, navegamos pelas virtualidades que não cabem nos limites do representável, ultrapassando “a descrição estrita do ‘dado’ adentrando nos meandros fugidios dos acontecimentos e seu intricado campo de possibilidades” (Costa, 2014, p. 558). Trata-se de um exercício de queda: deixar cair os modelos canônicos, as noções estritas de subjetividade, as psicologizações implacáveis, as objetivações fulminantes, a dissolução das pluralidades.
Resultados e discussão O desenho que se delineia em torno da ideologia vai esfumaçando as fronteiras que, até alguns anos atrás, pareciam demarcar os campos ideológicos. É como se, de um modo muito peculiar e sutil, fossemos entrando numa lógica que parece, de fato, neutra. Agora, não temos os “consumidores” e os “anticapitalistas”, é como se, num passe de mágica, todos estivessem incluídos numa mesma trama, o que cria a ilusão de estarmos fora da ideologia. Essa impressão marca, justamente, o seu contrário: quando imaginamos estar fora da ideologia, é aí que, de fato, estamos dentro dela. A ideologia, na sua vertente atual, parece se constituir como a ilusão própria de sua ausência.
O que parece acontecer, é um desdobramento desse lugar ideológico: não há a defesa da condição de alienação – e, portanto, do antagonismo social -, como uma marca a ser reconhecida, mas, uma tendência à negação das artimanhas que nos constituem. Nessa trama, a negação acaba sendo sua afirmação máxima: ao se negar própria a alienação, assume-se a ideologia na sua forma mais escancarada.
Conclusões/Considerações finais Se a ideologia não é uma “falsa consciência”, ou, uma “consciência ingênua”, então significa que o “desconhecimento” não se encontra do lado do saber, mas, no do fazer. Assim, o que se desconhece, o que “eles não sabem”, é o fato de que em sua própria realidade social, no ato de troca da mercadoria, estão sendo guiados por uma ilusão fetichista. O que se desconhece, portanto, não é a realidade de fato, mas, a ilusão que estrutura a realidade e empresta as cores que desenha o tecido social. Essa ilusão, desconsiderada e inconsciente é o que Žižek chama de fantasia ideológica. “Eles sabem muito bem como as coisas realmente são, mas continuam a agir como se não soubessem” (p. 316), criando um cinismo ideológico.
Não ao acaso, Žižek apoia-se na Razão Cínica proposta por Sloterdijk (2012). De acordo com esse autor, a ideologia funcionaria cada vez mais de maneira cínica e, essa razão, não seria nem um pouco ingênua, mas, o paradoxo de uma falsa consciência esclarecida: “sabe-se muito bem da falsidade, tem-se plena ciência de um determinado interesse oculto por trás de uma universalidade ideológica, mas, ainda assim, não se renuncia a ela” (Žižek, 1996, p. 313). Em outras palavras, o cinismo não seria uma postura de imoralidade direta, mas a própria moral colocada a serviço da imoralidade, “a mentira sob o disfarce da verdade” (Žižek, 1996, p. 14).
|