46680 - REGULAÇÃO DO AMBIENTE ALIMENTAR ESCOLAR E A REAÇÃO CONSERVADORA: ANÁLISE DA DISCUSSÃO DO PROJETO DE LEI Nº 4.198/2021 NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO RIO DE JANEIRO VERONICA TAVARES DE FREITAS - INSTITUTO DESIDERATA, FABÍOLA LEAL - INSTITUTO DESIDERATA, ANA CAROLINA ROCHA OLIVEIRA - INSTITUTO DESIDERATA, RAPHAEL BARRETO DA CONCEIÇÃO BARBOSA - INSTITUTO DESIDERATA, OLIVIA SOUZA HONÓRIO - INSTITUTO DESIDERATA
Contextualização Nos últimos anos, diversas evidências científicas apontam para os malefícios à saúde relacionados aos alimentos e bebidas ultraprocessados. Esse quadro é agravado pelo aumento do seu consumo, associado à maior incidência de obesidade e doenças crônicas na população.
Descrição Nesse contexto, o Projeto de Lei (PL) 4198/2021 determina a proibição do comércio de alimentos ultraprocessados na rede de educação do estado do Rio de Janeiro. Na sua segunda sessão em plenário, a proposta foi recebida com forte oposição, com extensa argumentação dos parlamentares contrários.
Período de Realização O evento ocorreu no dia 10 de maio de 2022.
Objetivos No presente trabalho foi analisada a referida discussão, classificando as falas dos deputados a partir dos argumentos que se repetiam. Baseando-se na elaboração de Hirschman acerca das retóricas conservadoras, vistas como reações às mudanças sociais, tais posições foram sintetizadas em três categorias: a liberdade contra a interferência do Estado no comércio; a primazia da educação familiar sobre crianças e adolescentes; a responsabilização individual da obesidade. Desse modo, foram analisados os pronunciamentos dos parlamentares e suas inconsistências, tendo em vista os avanços no campo da nutrição e a compreensão jurídica da proteção infantojuvenil.
Resultados Sobre a liberdade de comércio, em contraponto à interferência do Estado, cabe ressaltar o princípio da proporcionalidade que rege as garantias constitucionais nacionais, para os casos de conflitos entre suas previsões. Diante disso, se existem comprovações científicas abundantes acerca dos malefícios dos alimentos ultraprocessados à saúde, especialmente para crianças e adolescentes, é papel do Estado instituir as devidas regulamentações para limitar seus danos. Quanto à soberania familiar na criação dos filhos, importa salientar que o ordenamento jurídico indica tal prescrição para a sua proteção. A esse respeito, o parecer realizado pela Secretaria Nacional do Consumidor, em 2020, afirma que o pátrio poder visa garantir os direitos dos indivíduos em fase de desenvolvimento. Assim, se o consumo de determinadas substâncias é potencialmente danoso para a saúde de crianças e adolescentes, cabem as regulações devidas. Além disso, apesar da determinação legal da educação como integrante do poder familiar, isso não contradiz que a educação de crianças e adolescentes é também dever do Estado, conforme artigo 205 da Constituição. Com relação à responsabilização individual da obesidade, as pesquisas na área vão no sentido oposto. A observação de pessoas com obesidade evidenciou a centralidade dos ambientes nos quais estão inseridas e as condições de acesso a alimentos, além de fatores biológicos que podem interferir nesse quadro. Devido à importância de tais elementos, a literatura especializada se debruça sobre o estudo dos ambientes alimentares, sendo as escolas espaços privilegiados para a promoção de políticas com este fim. Ademais, a responsabilização individual compõe a reprodução de violências por meio da estigmatização, revelando-se como um agravante, com malefícios à saúde mental e fortalecimento de comportamentos não saudáveis de controle do peso corporal, além de níveis mais baixos de atividades físicas, exacerbando essa condição.
Aprendizados O caso do PL 4198/2021 é emblemático sobre os desafios para a promoção da saúde no Brasil. Na sua discussão, diversos posicionamentos denotavam amplo desconhecimento da temática, em conjunto com a enunciação de comentários discriminatórios e de reforço de estigmas. No entanto, destaca-se que a negação da ciência configura também um posicionamento político. Afinal, a sessão ocorreu no contexto da pandemia do coronavírus, no qual o negacionismo científico foi um marcador da conduta de representantes conservadores em todo o país. Importa identificar, igualmente, que durante a tramitação da proposta outros projetos estavam em discussão no estado, na Câmara do Rio de Janeiro e de Niterói. Na capital fluminense, entidades empresariais realizaram incidência direta em oposição ao PL 1662/2019. Como contraponto, foi enviado um documento assinado por organizações da indústria e comércio, com a relativização da classificação NOVA, que categoriza os alimentos de acordo com sua extensão e propósito de processamento, e a exposição da contrariedade na regulação dos ambientes escolares. Assim, é notório que apesar da saúde constituir um direito constitucional, persistem diversas barreiras para sua efetivação.
Análise Crítica Entre os obstáculos para o desenvolvimento regulatório, estão os interesses comerciais envolvidos, bem como a falta de difusão de informações sobre o tema. Não obstante, as declarações apresentadas na discussão do PL 4198/2021 vão além de opiniões divergentes, configurando a reprodução de violências e desinformação. Dessa forma, compreender as retóricas conservadoras daqueles que se opõem ao desenvolvimento da promoção da alimentação adequada e saudável é fundamental para avançar no debate público e efetivar a adequação das legislações vigentes.
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