Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO28.1 - Igualdade de gênero e direito humano à alimentação adequada: veto ou impulso à gênese do

48253 - CRISE ALIMENTAR PERSISTENTE E INTENSIFICAÇÃO DA CRISE POLÍTICA NA PÓS-PANDEMIA: O PROLONGAMENTO DA LUTA DAS COZINHAS COMUNITARIAS NO PERU
MIGUEL ARMANDO ZÚÑIGA OLIVARES - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA, DANIEL GILBERT FERNÁNDEZ OBREGÓN - UNIVERSIDAD NACIONAL MAYOR DE SAN MARCOS, FACULTAD DE CIENCIAS SOCIALES, ÁQUILAS NOGUEIRA MENDES - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA


Apresentação/Introdução
No Peru, após três anos da pandemia da COVID-19, persiste a inércia e incapacidade estatal para implementar políticas públicas efetivas contra a crise alimentar. Desde o início da pandemia, as cozinhas comunitarias (CC) ressurgiram face ao rápido aumento da insegurança alimentar (IA), devido aos efeitos económicos e sociais da pandemia e aos efeitos indesejados das medidas restritivas do Estado de Emergência Nacional (EEN). No Peru, a IA aumentou de 37,2% (11,3 milhões de pessoas) no período 2014-2016 para 50,5% (16,6 milhões de pessoas) no período 2019-2021. Nesse contexto, as CC representaram ações coletivas e de resistência frente à IA, que se encarregavam de recolher, preparar e distribuir rações de alimentos para milhares de famílias que tinham perdido seus empregos, reduzido seus rendimentos e caído na pobreza. Após três anos de luta pelo direito à alimentação, as CC continuam a apoiar a política de segurança alimentar e nutricional (SAN).

Objetivos
Descrever e discutir o ressurgimento e a evolução das CC na luta contra a crise alimentar durante e após a pandemia da COVID-19.

Metodologia
Realizou-se uma revisão documental das normas jurídicas e relatórios técnicos sobre SAN e CC, publicadas pelo Governo Nacional (GN) e a Municipalidade Metropolitana de Lima (MML), bem como de publicações realizadas pela Rede de CC de Lima Metropolitana, entre março de 2020 e junho de 2023.

Resultados e discussão
As CC ressurgiram principalmente nas zonas urbano-marginais e em Lima Metropolitana (LM). A partir de sua participação em instâncias de governança da MML, as CC criaram a Rede de CC de LM, como instância de condução e coordenação, e sua equipe técnica, formada por representantes de organizações não governamentais e igrejas, e, posteriormente, por ex-funcionários públicos. Através desta Rede, as CC realizaram incidência política para o registro das mesmas e a entrega de alimentos por parte do GN, para apoiar a atenção alimentar que ofereciam as CC. A partir de meados de 2021, a Rede e sua equipe técnica se consolidaram como uma coalizão de incidência política, conseguindo a aprovação de várias leis e políticas de SAN, sendo a mais importante, a Lei 31458, Lei que reconhece as CC e garante sua sustentabilidade, financiamento e trabalho produtivo de seus beneficiários. No entanto, quase sempre houve resistência estatal a: 1) a participação efetiva das CC na elaboração das leis e políticas de SAN, 2) a declaração de emergência alimentar, 3) a regulamentação de leis, como a Lei 31315, Lei de SAN, e a Lei 31477, Lei que promove ações para a recuperação de alimentos, e 4) alocação de orçamento suficiente para as CC. Além disso, as CC tiveram impacto político na implementação de mecanismos de controle social e fiscalização do registro e entrega de alimentos por parte das municipalidades, além de apresentar denúncias perante a Controladoria Geral da República e a Ouvidoria. Nos últimos meses, as CC e os seus beneficiários aumentaram; em dezembro de 2022, existiam 364 OC e 229.072 beneficiários, em 15 departamentos (incluindo a LM e a Callao), enquanto em junho de 2023 existiam 4.237 CC e 266.660 beneficiários, em 17 departamentos. 80% das CC estavam concentradas em LM (50,1%), La Libertad (24,2%) e Callao (5,8%). No entanto, até junho de 2023, o GN atribuiu (apenas) S/ 98 milhões para a aquisição e distribuição de (apenas) alimentos a favor das CC (sendo estimado um investimento de S/ 24.992 por CC por ano ou S/1,1 por beneficiário por dia [baseado em 3.925 OC e uma média de 65 beneficiários por CC]). Além disso, as CC não só têm lutado por mais orçamento para a sustentabilidade de suas ações, como também têm incluído na sua agenda política a recuperação de alimentos, a alimentação saudável e a agricultura familiar e urbana.

Conclusões/Considerações finais
Contrariamente ao que se esperava, a crise alimentar, que surgiu com a pandemia, continua depois da pandemia e é provável que esta se agrave e aprofunde ainda mais as iniquidades sociais. Esta situação pode ser explicada pelo impacto económico do contexto mundial, marcado pela intensificação da crise económica e ecológica e pelos conflitos geopolíticos, e pelo próprio contexto nacional, marcado pela lenta e incerta recuperação económica, a inflação e a intensificação da crise política, inestabilidade política e do autoritarismo. Apesar de ser o Estado que deve garantir o direito à alimentação, foram as CC que apoiaram a luta contra a crise alimentar e, provavelmente, os que mais contribuíram para que não houvesse uma maior incidência de IA. Além disso, as CC desempenharam um papel fundamental na discussão e reflexão críticas sobre a falta de acesso a uma alimentação e nutrição adequadas, a destruição da soberania alimentar e a submissão dos sistemas agro-alimentares locais ao modo de produção capitalista e ao agronegócio mundial, e os usos políticos da fome.