46032 - A "MEDICINA OFICIAL" E A PANDEMIA DA COVID-19 NO BRASIL: O NEGACIONISMO COMO AMPLIADOR DE CONTRADIÇÕES DA PROFISSÃO PEDRO RAFAEL CHALEGRE CAVALCANTI - UFPE
Apresentação/Introdução A partir de março de 2020, iniciava-se no Brasil uma crise sanitária que vinha se expandido rapidamente pelo mundo todo: a Pandemia da Covid-19, que levou a centenas de milhares de mortos somente no Brasil.
Em meio à incertezas sobre as formas de lidar com o vírus, profissionais de saúde tentavam lidar com a situação de diversas formas, especialmente não-farmacológicas, de caráter preventivo, como o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), e distanciamento social, em conformidade com as normas sanitárias impostas no período, lidando ainda com a falta de empenho, e até mesmo sabotagem por parte do Governo Federal e do ex-presidente em relação à Pandemia, que propagandeava meios reconhecidamente sem eficácia contra o vírus, consagrados no chamado “Tratamento Precoce”.
Tal tratamento, em especial a dupla cloroquina/hidroxicloroquina, recebeu aval do Conselho Federal de Medicina no sentido de preservar a autonomia médico-paciente, mesmo sem eficácia científica comprovada (no caso dos medicamentos supramencionados, com o Parecer nº 4/2020). Enquanto uma parcela da profissão manteve as medidas não-farmacológicas, esperando novas descobertas (especialmente o desenvolvimento de vacinas), outra parte decidiu insistir no Tratamento Precoce, em um tom “negacionista”, no sentido de tentar descartar mesmo os avanços posteriores em relação à vacinação.
Dito isto, presente trabalho tem por objetivo responder à pergunta: a Pandemia da Covid-19 (no Brasil) abriu uma crise de caráter “negacionista” no interior da prática médica oficial? Ou expôs contradições inerentes à atividade médica?
Objetivos Investigar se a Pandemia da Covid-19, partindo do caso brasileiro, abriu um período de crise do paradigma da Medicina Oficial, pautado no racionalismo mecanicista, na moderna clínica médica ancorada na microbiologia.
Analisar a configuração do saber e prática da “Medicina Oficial” em conformidade com sua constituição epistemológica, com fins de observar se há elementos fundamentais que explicam os motivos da cisão ocorrida durante a Pandemia da Covid-19.
Metodologia O presente trabalho é de natureza qualitativa, visando versar sobre questões subjetivas envolvendo uma conjuntura específica. Em relação aos procedimentos, dois se destacam: o levantamento de referencial bibliográfico sobre a relação entre saber e prática médicos (a configuração de sua episteme e a aplicação do saber), bem uma contextualização do período pandêmico mais grave (2020-2021), através de análise de discurso envolvendo principalmente artigos de jornais, opiniões de médicos e de suas instituições.
Resultados e discussão A atuação dos médicos (e de suas instituições) no período foi marcada por uma luta interna: de um lado, médicos (e demais profissionais de saúde), focados na prevenção e em evitar o contágio, lidavam com medidas principalmente não-farmacológicas, visto que não havia evidência de eficácia de algum medicamento contra a Covid-19; com o respaldo do Conselho Federal de Medicina (CFM) a partir do Parecer nº 4/2020, uma parcela da categoria decidiu apostar no chamado “Tratamento Precoce”, em especial, cloroquina/hidroxicloroquina, mesmo que a despeito da falta de evidências científicas.
Para além da questão da eficácia desses medicamentos, uma questão é posta: seriam os médicos que apostaram na cloroquina simples “negacionistas” científicos? Acreditamos que a resposta é mais complexa que um “não”. O conceito de negacionismo adquiriu profunda importância nos últimos anos: desde à questão dos negacionistas históricos (em relação à ditadura militar no Brasil, por exemplo), até a Pandemia da Covid-19, quando se popularizou: ele não se refere a uma “crítica” à ciência, ou à tentativa de colocar um novo paradigma na discussão, e sim a um processo de negação coletiva, com certa determinação política de suspender a validade de certas noções consensuais.
Não se pretende negar aqui a existência de médicos negacionistas, há negacionistas de todos os tipos. Também não se pretende simplesmente criticar a medicina oficial, levando em conta principalmente a multiplicidade de atos e os esforços dos profissionais na Pandemia da Covid-19. O que se coloca em discussão aqui é o fato de que é importante atentar para o fato de que, a despeito da medicina oficial colocar a si mesma a definição de “científica”, em relação ao seu saber, configurando a racionalidade médica científica, ancorada na clínica e na microbiologia, o próprio ato clínico prevê a possibilidade de suspensão dos preceitos científicos em detrimento da autonomia médico-paciente, demonstrando que a ciência – o elemento que, a partir da eficácia do tratamento, ancora o prestígio da Medicina – está subordinada à clínica.
Conclusões/Considerações finais A questão não foi, então, somente o negacionismo: esse serviu como um meio de ampliação de potencialidades subjetivas dadas no âmago da própria corporação, levando em conta outros fins, como o apoio irrestrito ao ex-presidente Jair Bolsonaro – a despeito de um código de ética, que, como observado, é um objeto relativizado pelo CFM.
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