Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO29.1 - Discursos científicos pandêmicos e os paradoxos que nos rondam

46936 - A CIÊNCIA NOS DISCURSOS DE PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19
HELLEN CRISTINA STHAL - UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS-UFG, DAIANE CARDOSO DA SILVA - UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS-UFG, JOHANNES ABREU DE OLIVEIRA - UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS-UFG, ROBERTA RAMOS RIBEIRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS-UFG, IZABELLA MENDONÇA REGIS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS-UFG, SABRINA DA SILVA DE SOUZA - SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO JOSÉ-SC, NATHALIA HALAX ORFÃO - UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA-UNIR, MARIA RITA BERTOLOZZI - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO-USP, ROXANA ISABEL CARDOZO GONZALES - UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS-UFG


Apresentação/Introdução
Introdução: As descobertas, inovações e investimentos em ciência e tecnologia em saúde são crescentes. Contudo, com o alcance da internet e das redes sociais, que agregam e fortalecem grupos identitários e o consumo acrítico de informação, intensificou-se a difusão de preceitos errôneos sobre o conhecimento científico e suas aplicações, e esse fenômeno pôde ser amplamente observado durante a pandemia da Covid-19. Nesse cenário, os profissionais da saúde desempenham papel decisivo no processo de busca, interpretação, utilização e popularização da ciência.

Objetivos
Objetivo: Analisar como a ciência é abordada nos discursos de profissionais da saúde da Atenção Primária à Saúde (APS), no contexto da pandemia da Covid-19.

Metodologia
Método: Estudo qualitativo fundamentado no referencial teórico-metodológico da análise de discurso de matriz francesa (AD), a partir de entrevistas semiestruturadas, gravadas e transcritas na íntegra, realizadas com os informantes-chave (profissionais indicados pelos gestores) das unidades de APS. Foram incluídas as entrevistas das unidades de zona urbana de Florianópolis-SC e Porto Velho-RO. Este estudo integra a pesquisa multicêntrica “Repercussão da pandemia da Covid-19 na tuberculose em capitais brasileiras: realidade e novas perspectivas na Atenção Primária”, em desenvolvimento em seis capitais brasileiras, com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Chamada CNPq/MCTI/FNDCT Nº 18/2021).

Resultados e discussão
Resultados e discussão: Foram analisadas 20 entrevistas, sendo 11 de Florianópolis e nove de Porto Velho. Identificou-se nos discursos dos enunciadores de Florianópolis uma concepção de ciência enquanto método gerador de conhecimento válido e norteador da prática profissional em saúde; a valorização dos protocolos assistenciais e da vacinação da população como medida fundamental para o controle da pandemia da Covid-19, conforme destacado nessa sequência discursiva: “E a gente tinha muita, eu acho que insegurança no começo, antes dos [...] principais protocolos começarem a aparecer” E10F. Conforme o avanço da vacinação, as portas da unidade foram abrindo [...] E esse processo foi gradualmente retornando à normalidade” E6F.
Nos discursos dos profissionais de Porto Velho, embora também tenha sido abordada como dificuldade a insuficiência de conhecimento no início da pandemia, a valorização das recomendações de órgãos oficiais e dos protocolos assistenciais para organizar o processo de trabalho em saúde foi menos presente; não houve menção à vacinação contra Covid-19 nos discursos e um dos entrevistados apontou o tratamento precoce como sendo o responsável pela diminuição dos casos graves de Covid-19: “Foi bem difícil. [...] nós trabalhávamos e não tinha conhecimento, no começo [...] a comunidade vinha apavorada, e nós não tínhamos conhecimento” E8PV. “Os casos graves com o tempo foram diminuindo com a entrada do tratamento precoce, e o trabalho exaustivo foi diminuindo” E1PV. Ressalta-se que o tratamento precoce da Covid-19 é contrário às orientações institucionais emitidas por organizações respeitadas no cenário científico, como a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde. Predomina nesses discursos uma visão reducionista da ciência, que subestima os complexos processos de produção e as contribuições do conhecimento científico. Estudos abordam a dificuldade dos profissionais da APS para desenvolver uma prática em saúde baseada em evidências científicas, apontando como possíveis motivos a carência de conhecimentos e habilidades para a pesquisa e a elevada carga de trabalho (SCHNEIDER et al., 2020; FERRETI et al., 2018).
A ciência não deve ser concebida numa visão algorítmica, rígida e acrítica, como um passo a passo pronto e meramente aplicável. Cabe aos profissionais identificar e analisar criticamente as evidências, bem como considerar as características socioculturais da comunidade, para uma prática que seja baseada em ciência e sensível às necessidades da população. Destaca-se as importantes contribuições e potencialidades que a tradução do conhecimento, o letramento em saúde e as políticas informadas por evidências podem agregar ao processo de trabalho, educação em saúde e popularização da ciência.

Conclusões/Considerações finais
Considerações finais: É indispensável que os profissionais da APS tenham conhecimento dos meandros epistêmicos que envolvem a produção do conhecimento científico e que atuem com base em evidências confiáveis, interpretando-as de forma crítica. A APS constitui um lócus privilegiado para ações de educação em saúde e popularização da ciência. Os resultados apontam a necessidade de realização de outros estudos que investiguem e reflitam sobre as diferenças socioeconômicas, políticas, epidemiológicas e de ações de educação permanente entre os cenários, que são distintos, contribuindo para o aprofundamento do tema e compreensão das divergências, uma vez que estas influenciam no processo saúde-doença e na organização, oferta e recebimento do cuidado em saúde.