Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO31.1 - Pesquisas da saúde e direitos humanos das e com as comunidades atingidas

46046 - “O RIO ERA MINHA SEGUNDA CASA”: ALTERAÇÕES DE PELE NA POPULAÇÃO DO BAIXO PARAOPEBA E REPRESA DE TRÊS MARIAS APÓS ROMPIMENTO DE BARRAGEM DE MINERAÇÃO
PAULA JUNQUEIRA MOTA - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FIOCRUZ MINAS, ETNA KALIANE PEREIRA DA SILVA - INSTITUTO GUAICUY, ISABELA ALVES CAIAFA - INSTITUTO GUAICUY


Apresentação/Introdução
O rompimento da barragem de mineração da Vale em 2019, liberou cerca de 12 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos de mineração no rio Paraopeba, gerando uma série de impactos ambientais, sociais e econômicos, sendo considerado uma das maiores tragédias causadas pela mineração no Brasil e no mundo. A despeito da magnitude e destaque ao epicentro do desastre-crime, impactos puderam ser identificados há centenas de quilômetros, ao longo de todo o curso do Rio Paraopeba e Represa de Três Marias. Além de outros fatores ligados aos impactos socioambientais, os metais ou outros materiais tóxicos presentes na lama de rejeitos são sabidamente capazes de provocar alterações na pele. Estudos após o rompimento da barragem do Fundão em 2015, evidenciaram relatos das pessoas atingidas com alterações de pele e aumento de diagnósticos de doenças da pele e do tecido subcutâneo, ressaltando que as alterações de pele são um ponto de preocupação em saúde pública após rompimento de barragens. Contudo, o diagnóstico dessas alterações é muitas vezes negligenciado devido a diferentes manifestações entre as pessoas, a variabilidade de doenças com sintomatologia semelhantes e das modificações naturais que a pele de uma mesma pessoa sofre ao longo do tempo.

Objetivos
Identificar alterações de pele, após rompimento de barragem de mineração, na população atingida nas regiões do Baixo Paraopeba e Represa de Três Marias.

Metodologia
Foi realizada, no âmbito da assessoria técnica independente às pessoas atingidas, uma análise da situação de saúde das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale nas regiões do Baixo Paraopeba (R4) e Represa de Três Marias (R5). Essa pesquisa foi realizada entre junho de 2021 e fevereiro de 2022 e contou com entrevistas semiestruturadas com pessoas atingidas (48-R4; 66-R5), profissionais de saúde (11-R4; 28-R5) e gestores municipais de saúde (2-R4; 10-R5) dos municípios atingidos, assim como análise de dados do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) do Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados oriundos das entrevistas, foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo. Para os dados do SIA-SUS, considerou-se os atendimentos realizados pelo profissional Dermatologista (CBO225135) e/ou com CID relacionados ao capítulo 12 - Doenças da pele e do tecido subcutâneo e outros procedimentos relacionados à Dermatologia, também foram considerados os atendimentos realizados por dermatologistas e que não foram informados os CIDs. Foram calculados a variação percentual proporcional (VPP) do número de atendimentos realizados a residentes dos municípios atingidos em 2019 comparados a 2018 e média móvel (comparação das médias de 2016-2018 com 2017-2019).

Resultados e discussão
Alterações na pele após o rompimento da barragem foram relatadas pelas pessoas atingidas. Houve relatos de que o surgimento ou agravamento dos sinais e sintomas, foram percebidos após contato com a água do rio ou represa. Mesmo após o rompimento da barragem, com o risco de contaminação ou sua confirmação, algumas pessoas continuavam a usar o rio para pescar, para uso doméstico, nadar ou banhar, e que após contato com a água, surgiram coceiras, manchas e feridas na pele. Profissionais de saúde e gestores de saúde de alguns municípios também identificaram surgimento de alterações de pele na população atingida após o rompimento. Em nível municipal, observamos que entre os atendimentos realizados por dermatologista e/ou com CID relacionados ao capítulo 12 tiveram aumento na VPP e/ou na média móvel em residentes de Abaeté, Felixlândia, Morada Nova de Minas. Já entre os atendimentos realizados por dermatologista que não foram registrados os CIDs observamos aumento na VPP e/ou na média móvel em residentes de Abaeté, Curvelo, Pompéu, Morada Nova de Minas e Três Marias. Importa ressaltar que o rio ou represa foi considerado pelas pessoas atingidas como “minha segunda casa”, “tudo para mim”, “é minha vida”, centrais na escolha dos seus modos de viver. Todavia, mudanças socioambientais causadas pelo rompimento da barragem aliadas aos modos de vida, como a manutenção do contato com a água do rio ou represa, se tornaram motivos para o aparecimento de alterações na pele, em muitos dos relatos de casos das pessoas atingidas.

Conclusões/Considerações finais
Ressalta-se que não é possível afirmar com esse estudo que as alterações de pele identificadas foram ocasionadas pelo rompimento da barragem de mineração. Mas, os relatos de ocorrência após contato com a água do rio ou represa somados a outros estudos, reforça-se a necessidade de investigação e vigilância quanto às alterações na pele das pessoas atingidas. E, principalmente, a urgência de medidas de reparação integral às pessoas atingidas que sofrem cotidianamente com efeitos do rompimento em sua vida, incluindo o receio de adoecimentos devido a contaminação ou insegurança quanto à contaminação de suas águas.