Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO32.1 - Racismo, violência e sofrimento psíquico

47126 - ÓBITOS POR LESÕES AUTOPROVOCADAS NO CEARÁ ENTRE 2012 E 2021: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO INTERSECCIONAL DE RAÇA E SAÚDE MENTAL
NICOLAS ARAÚJO GOMES - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC), FRANCISCO ANDERSON CARVALHO DE LIMA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC), ANDREZA VITORIA ALVES DA SILVA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC), CARMEM EMMANUELY LEITÃO ARAÚJO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC)


Apresentação/Introdução
Um dos principais indicadores de morbidade e mortalidade associados à saúde mental no país é o de óbitos causados por Lesões Autoprovocadas, que abrangem as lesões auto-infligidas intencionalmente (suicídio). Tal indicador aponta um grave problema de saúde pública que afeta diversas comunidades no país. No entanto, quando analisamos os dados de forma mais aprofundada, é possível perceber que certos grupos populacionais enfrentam desafios específicos que aumentam sua vulnerabilidade ao risco suicida.

Objetivos
Partindo deste contexto, o presente estudo se propôs a analisar o que dizem os indicadores de Lesões Autoprovocadas considerando a interseccionalidade de saúde mental e raça no estado do Ceará na década de 2012 a 2022.

Metodologia
Trata-se de uma pesquisa transversal de caráter quanti-qualitativo, desenvolvida em Junho de 2023. Inicialmente foram obtidos os dados acerca dos óbitos por Lesões Autoprovocadas no estado do Ceará entre os anos de 2012 e 2021 através de fontes oficiais - o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), acessado via TabNet. Então, tais óbitos foram classificados de acordo com as diferentes raças, com base nas categorias utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - branca, parda, preta, amarela e indígena. Por fim, foi calculada a taxa de mortalidade específica por suicídio para cada grupo racial, que permitiu aos autores comparar o risco de morte por suicídio entre os diferentes grupos raciais no estado ao longo da década e analisar os resultados obtidos à luz da literatura pertinente.

Resultados e discussão
Ao longo da década estudada a taxa de mortalidade específica por suicídio no Ceará aumentou de 0,59% em 2012 para 0,89% em 2021. Tal achado não necessariamente implica no aumento no número absoluto de casos: um Boletim Epidemiológico de 2022 da Secretaria de Saúde do Ceará apontou o aumento de 251,6% na notificação de suicídio entre 2017 e 2021. Analisando o recorte racial, foi possível observar que o maior número de suicídios ocorreu entre autodeclarados pardos (73,24%). Em seguida, vieram os casos onde a raça foi ignorada (12,71%), indivíduos brancos (12,27%), pretos (1,44%), amarelos (0,24%) e indígenas (0,1%). É importante ressaltar que, a partir de 2017, categoria “Ignorada” diminuiu consideravelmente, apontando para os esforços dos Comitês de Prevenção e Posvenção do Suicídio na conscientização dos profissionais da saúde acerca do preenchimento em totalidade dos dados exigidos nas certidões de óbito. Esta medida é de suma importância para identificar os estratos sociais de maior vulnerabilidade e guiar as políticas públicas apropriadas de prevenção do suicídio. Em contrapartida, os números encontrados dentre a população preta (1,44%), amarela (0,24%) e indígena (0,1%) são deveras questionáveis. Diversos estudiosos da interseção entre saúde mental e raça, como Frantz Fanon, Grada Kilomba e Núbia Regina Moreira, apontam para os desafios intrínsecamente relacionados à raça que podem contribuir para um maior risco de suicídio: o racismo estrutural, a discriminação, a desigualdade socioeconômica, a falta de acesso a serviços de saúde mental culturalmente apropriados e o estigma relacionado à saúde mental. Além disso, diversos estudos acerca das taxas de mortalidade por suicídio entre indígenas aponta a ausência de notificação da grande maioria dos óbitos devido à fatores culturais, geográficos e de negligência assistencial e censitária. Além disso, autores como Lilia Schwarcz discutem que, no Brasil, é frequente a opção de autodeclaração como "parda" em vez de "preta" em virtude não só das características miscigenadas da população, mas também por questões sociais, econômicas e de estigma. Assim, aventa-se a possibilidade de que os números encontrados neste estudo não reflitam a realidade dos grupos marginalizados, mantendo nas sombras a real dimensão do acometimento mental ao qual eles estão submetidos.

Conclusões/Considerações finais
Os resultados desta análise destacam a importância de considerar a interseccionalidade de saúde mental e raça ao abordar o risco de suicídio. Durante o período analisado, observou-se um aumento significativo na taxa de mortalidade específica por suicídio, apesar de não necessariamente refletir um aumento absoluto no número de casos. No entanto, os números encontrados para as populações preta, amarela e indígena podem estar severamente subnotificados devido a fatores socioculturais, geográficos, de negligência assistencial e censitária. Desta forma, é essencial enfrentar o desafio da subnotificação, investindo em pesquisa, em coletas de dados abrangentes e na sensibilização dos profissionais de saúde para a questão. Somente assim poderemos obter uma visão mais completa e precisa dos desafios enfrentados pela população negra, amarela e indígena no que diz respeito ao risco de suicídio e promover ações mais efetivas de prevenção e de cuidado.