01/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO32.1 - Racismo, violência e sofrimento psíquico |
47302 - A EXPERIÊNCIA DO LUTO ASSOCIADO A VIOLÊNCIAS NO CONTEXTO NECROPOLÍTICO BRASILEIRO: DESAFIOS PARA O CAMPO DA SAÚDE MENTAL CRISTIANE DE OLIVEIRA SANTOS - UFBA, MONICA FERREIRA SAMPAIO VENÂNCIO - UFBA, JÚLIA CAMPOS CARVALHO REZENDE - UFBA, LAIS FLORES SANTOS LOPES COSTA - UFBA, BRUNA BOMFIGLIO WEBER - UFBA
Contextualização O luto é uma experiência que, à luz da psicanálise, permite localizar a relação de imanência entre subjetivação e alteridade, e que mostra, com grande clareza, o desamparo na base da relação entre semelhantes, qualificando o que se denomina de vida tanto no registro subjetivo quanto público. Instaura um trabalho psíquico e social, que necessita de espaços de elaboração e cuidado, para que se possa dar respostas ao sofrimento e à dor psíquico que ele engendra. A política de visibilidade do luto daqueles que estão expostos ao extermínio de formas de vidas não reconhecidas como tais, no Brasil, flagrantemente negros e pobres, faz transbordar o resto que não cabe no frame da essencialização normativa das “vidas que não merecem ser vividas” e reivindica estatuto de vida para aqueles que submergiram à violência de Estado, socialmente legitimada e historicamente contingente.
Descrição O presente trabalho consiste num relato de experiência acerca de um projeto de extensão universitária, constituído no ambulatório do luto vinculado a um hospital público, de oferta de acompanhamento psicoterápico, de orientação psicanalítica, a pessoas que perderam seus entes queridos em contexto de violências, notadamente, mulheres que perderam seus filhos e outros entes queridos para a violência policial e/ou para as disputas relativas ao tráfico de drogas. O cuidado dirigido a esses sujeitos incluiu o trabalho em rede no campo da saúde mental e mediação intersetorial junto à serviços como a polícia civil e defensoria pública.
Período de Realização O ambulatório do luto começou a se organizar a partir de 2016, foi formalizado em 2018, e segue até os dias atuais ampliando sua oferta, em meio a adversidades ampliando sua atuação como dispositivo de cuidado em saúde mental.
Objetivos Espera-se com o trabalho:
- Estreitar parcerias e laços com movimentos sociais e coletivos de referência para o projeto e que, a partir da aprendizagem baseada em serviço, repercussões dos processos de violência possam ser sistematizados e possam indicar desdobramentos assistenciais e de políticas públicas voltadas para a superação dos desafios colocados pela problemática das violências através do trabalho que incide sobre o luto.
- Subsidiar a proposição de dispositivos e de tecnologias de cuidado singularizado em saúde mental, para além da psiquiatrização e famacologização.
- Agregar às trajetórias discentes (graduação e pós-graduação) experiências de formação que articulem exercício técnico, sensibilização cultural e ético-política no trato com o sofrimento de sujeitos e de seu contexto psicossocial e na articulação com o ensino e pesquisa.
Resultados A experiência de escuta junto a esses sujeitos revela um luto traumático atravessado pela dor psíquica associada ao caráter disruptivo e violento da perda, na qual o objeto perdido figura real ou simbolicamente como desaparecido. Enlutar-se por um assassinato praticado pelo estado ou pelo crime organizado tem a particularidade da revolta misturada à dor em carne viva, muitas vezes desautorizada pela imposição de um não reconhecimento da legitimidade do sofrimento, pelo desassossego face à ameaça contra a própria vida e a dos outros entes queridos implicada no contexto da violência e pela violação de todos os rituais que dariam o suporte imaginário e simbólico para o trabalho do luto. Assim como seguir amando é uma dívida contraída pelo sobrevivente em condições habituais de um luto, o/a enlutado/a por perdas associadas à violência é premido a seguir em revolta, aprisionado na curatela da vida que se foi, preso ao instante de um clamor por reparação, acometido por uma saúde física e psíquica que se deteriora paulatinamente com um luto que se torna potencialmente infinitizável. O desamparo discursivo e o silenciamento compulsório condicionam a expressão da dor pelas somatizações, crises de pânico, insônia, isolamento social e dificuldades de afirmação da vida.
Aprendizados Esse cenário torna urgente - em tempos de reconstrução do estado de proteção de direitos sociais, civis e políticos e, especificamente, da política de saúde mental comprometida com a emancipação psicossocial com o cuidado integral, universal, humanizado e antiracista - a inclusão dessa problemática e desses sujeitos no âmbito da formulação de dispositivos de cuidado em saúde e intersetorial.
Análise Crítica Além da oferta de cuidado singularizado e culturalmente sensível a uma demanda muitas vezes excluída das instituições de saúde, no horizonte deste trabalho está o esforço ético-político de questionar e subverter a naturalização com que, pavimentada pela expertise científica, jurídica e judicial, as formas de vida são iniquamente restringidas, controladas e exterminadas longe dos holofotes e da comoção social que marcam a necropolítica contemporânea.
|
|