Comunicação Oral

01/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO34.1 - O pensar/fazer Vigilância Popular em Saúde desde os territórios

46443 - VIGILÂNCIA POPULAR EM SAÚDE COMO FERRAMENTA DE PROTEÇÃO E FORTALECIMENTO DE POPULAÇÕES AFETADAS PELO AGRONEGÓCIO DE GRÃOS NO OESTE DO PARÁ – AMAZÔNIA
ANNELYSE ROSENTHAL FIGUEIREDO - UFOPA


Apresentação/Introdução
As populações do campo, das águas e da floresta estão cada vez mais expostas aos efeitos negativos do monocultivo de grãos. A região oeste do Pará, localizada na porção central da Amazônia, vem sofrendo com a expansão desordenada dos monocultivos de soja e milho desde o início dos anos 2000. A chegada deste tipo de cultivo na região foi acelerada pela construção de um porto graneleiro da Cargil no município de Santarém em 2003 e intensificada pela pavimentação da BR-163 que liga Santarém a Cuiabá. Desde então, os municípios de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos, que compõem o chamado Planalto Santareno, figuram entre os dez maiores produtores de soja e milho no estado do Pará (IBGE, 2020). Conhecer os impactos negativos do monocultivo de grãos na saúde das populações é importante para subsidiar políticas públicas adequadas às realidades locais, especialmente na Amazônia. Para tanto é preciso adotar um conceito amplo de saúde que discuta não só a dimensão biológica, mas também as dimensões políticas, culturais e dos direitos humanos (PORTO; FINAMORE; ROCHA, 2018).

Objetivos
Compreender qual o impacto do agronegócio de grãos na saúde da população de Belterra-PA a partir do conceito ampliado de saúde.

Metodologia
Foi realizada uma pesquisa qualitativa a partir do levantamento de dados primários e secundários considerando o período de 2000 a 2021. Os dados primários foram levantados a partir de rodas de conversas com variados atores locais. Os dados secundários foram provenientes de consultas nas bases de dados oficiais (IBGE e DATASUS), levantamentos nas mídias e em documentos oficiais do município.

Resultados e discussão
Dados do censo agropecuário realizado pelo IBGE em 2017 mostram que mais de 10% de toda a área destinada à produção agropecuária em Belterra e cerca de 60% da lavoura temporária é ocupada pela soja. Apenas 23 dos 506 estabelecimentos agropecuários existentes cultivam soja e 87% dos produtores são agricultores não familiares (IBGE, 2017). Os números evidenciam uma concentração de terras pelo setor que impacta negativamente a segurança e soberania alimentar de toda a população de Belterra. O cultivo de soja e milho é sabidamente químico-dependente (Carneiro et. al., 2015) e um levantamento realizado por Schwamborn (2019) entre os anos de 2013 e 2018 corroborou com a informação identificando a comercialização de 1,41 milhão de litros de herbicidas, 350 mil litros de fungicidas, 309 mil litros de inseticidas dentre outros na região do Planalto Santareno. Entretanto quando analisamos as notificações de intoxicações por agrotóxicos registradas nas bases de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), identificamos apenas sete casos de intoxicações agudas por agrotóxicos em 20 anos de estudo. Relatos compartilhados durante a pesquisa evidenciaram ainda uma negligência institucional com o desaparecimento de casos suspeitos notificados por profissionais de saúde. Diversas pesquisas tem associado intoxicações subagudas e crônicas ao aumento de casos de má-formação congênita, leucemia e doenças neurológicas como Alzheimer (PIGNATI et al., 2017; HAYDEN et al., 2010; SILVA et al., 2013). Em Belterra, observamos três óbitos e onze casos de internação por má formação congênita em menores de um ano de idade e uma alarmante proporção (56%) de casos de leucemias em crianças de cinco a nove anos no período de 2011 e 2021. Ao comparar a primeira década a partir da chegada da soja (2000-2010) com a segunda década (2011-2021), observamos um aumento de 667% na mortalidade por doenças neurológicas, entre elas o Alzheimer. A dificuldade de relacionar os agravos mencionados com o uso de agrotóxicos tem camuflado os efeitos deletérios do monocultivo de soja e milho, contudo os achados desta pesquisa mostraram que os efeitos biológicos na saúde são a ponta de um iceberg que esconde um ciclo de vulnerabilizações sociais e institucionais. A partir dos dados primários levantados com os participantes desta pesquisa foi possível identificar desequilíbrios ecológicos, perda de renda, prejuízos à saúde mental com perda de identidade, violação dos territórios com invasão de lugares sagrados, déficit educacional, assédios, violências, alteração na cultura e nos modos de vida tradicionais, piora na qualidade e nas condições de vida e violações de direitos constitucionais.

Conclusões/Considerações finais
Os impactos relatados têm sido sistematicamente negados pelos atores do agronegócio e ignorados pelo Estado na medida em que ultrapassam a dimensão biológica e não aparecem nos sistemas oficiais de informação. As atuais estratégias de vigilância em saúde têm falhado em proteger as populações do campo, das águas e da floresta e precisam ser diversificadas. É preciso reconhecer o protagonismo das populações afetadas e ampliar as discussões a fim de possibilitar o registro e a sistematização dos reais problemas. Nesse sentido, iniciativas de vigilância participativa e popular são ferramentas fundamentais de fortalecimento e proteção destas populações.