46994 - EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE, INTERSECCIONALIDADE E PRÁTICAS DE CUIDADO NA APS GLAUCIA VIVANA CAMPOS XAVIER - SECRETARIA DE SAÚDE DO RECIFE/IMIP, ANA CAROLINA RIOS SIMONI - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Contextualização Este relato de experiência se refere à oferta de um dispositivo de Educação Permanente em Saúde (EPS) construído com profissionais de uma equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), a partir da atuação da autora enquanto psicóloga-residente de um Programa Multiprofissional em Saúde da Família. Durante a pandemia de Covid-19, uma elevada demanda de sofrimento mental de meninas e mulheres, negras e pobres, foi endereçada à Psicologia, por meio do NASF, numa região de Recife/PE. Notou-se que os marcadores sociais de gênero, raça e classe atravessavam os processos de sofrimento das usuárias atendidas: mulheres com empregos precários e longas jornadas de trabalho ou desempregadas, alvos de racismo e machismo, que cuidam dos filhos sozinhas, com histórico de violência de gênero, exaustas, desesperançosas, medicalizadas, de várias idades.
Descrição O dispositivo em pauta consistiu na oferta de rodas de conversa, inspiradas no que preconiza a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde sobre o potencial de aprendizagem emergente do trabalho vivido nos cenários do cuidado. As rodas foram espaços dialógicos construídos coletivamente, com objetivos de aprendizagem definidos a cada encontro. Foram realizadas quatro rodas, com treze profissionais do NASF-AB, nas quais foram discutidas situações do cotidiano de trabalho relacionadas às demandas de sofrimento atravessadas pelos marcadores sociais da diferença. Como recursos metodológicos disparadores das conversas nas rodas, lançou-se mão de alguns analisadores artificiais: perguntas norteadoras, recortes de falas de encontros anteriores e de obras literárias, materiais de mídia e produções audiovisuais, que visibilizaram as diferentes formas com que os marcadores sociais atuam produzindo subjetividades e materializando distintas condições de vida.
Período de Realização A experiência ocorreu entre 2020 e 2021, durante a pandemia de Covid-19.
Objetivos A proposição deste dispositivo de EPS à equipe NASF objetivou provocar reflexões e construir possibilidades de cuidado ampliado na APS, numa perspectiva interseccional. Assim sendo, este relato tem o objetivo de apresentar a experiência de EPS no NASF como dispositivo de transformação das práticas em saúde na APS, cartografando seus processos e efeitos sob a ótica da Análise Institucional.
Resultados No primeiro encontro, emergiram problematizações acerca do desmonte das políticas de saúde e, sobretudo, em relação ao que os participante chamaram de um “não-lugar do NASF”, referindo-se aos obstáculos institucionais para atuar em conformidade às normativas que regem as equipes de apoio matricial na APS. O segundo trouxe a insuficiência das tecnologias de cuidado utilizadas, frente aos sofrimentos atravessados pelos marcadores sociais da diferença, quando os participantes puderam falar da sensação de cansaço, anestesia e despotencialização diante da realidade do território. Contudo, também emergiram analisadores espontâneos que levaram a equipe a relançar a aposta no trabalho coletivo, contextualizado e interseccional. O terceiro encontro deu relevo às aproximações e distanciamentos entre usuários e trabalhadores, oportunizando a análise das diferenças a partir do compartilhamento de situações da vida pessoal e profissional, nas quais os marcadores sociais comparecem instituindo distintas possibilidades para o cuidado de si e o acolhimento do outro. O último encontro debruçou-se sobre a realidade adoecedora também para os profissionais e a roda de conversa como promotora de cuidado, ressignificando o trabalho, o pertencimento e coesão na equipe.
Aprendizados A intervenção ancorou-se em pressupostos éticos e metodológicos da Análise Institucional, para a qual um dispositivo é um artifício que produz inovações geradoras de acontecimentos, criando realidades alternativas e revolucionárias. Nesse sentido, o dispositivo das rodas de conversa possibilitou que os participantes construíssem conhecimentos, de maneira coletiva e horizontal, a partir do compartilhamento e análise das suas vivências.
Análise Crítica A EPS mostrou-se estratégia eficaz na qualificação do trabalho prestado pelo NASF-AB, na medida em que deu visibilidade à intersecção entre saúde e os marcadores de gênero, raça e classe. A análise da implicação dos participantes agenciou o rompimento com as relações hierárquicas entre quem cuida e quem é cuidado, promovendo uma ampliação a respeito das práticas de saúde ofertadas, abrangendo inclusive a produção de cuidado na equipe. A experiência demonstrou a potência instituinte de espaços construídos horizontalmente como estratégia de fortalecimento do trabalho em equipe, num movimento de resistência frente ao cenário político de desmantelamento que afetou o NASF enquanto política pública nos últimos anos. Ainda, evidenciou o papel do residente como agente transformador das práticas de trabalho, reafirmando a Residência como dispositivo imprescindível para a mudança na formação dos trabalhadores de saúde no e para o SUS.
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