47008 - A FAVELA SE ORGANIZA, ATIVISMO SOCIAL E PANDEMIA DE COVID-19 NO RIO DE JANEIRO/RJ MAURICIO PEREIRA DE MATTOS - ENSP/ FIOCRUZ, ADRIANA COSER GUTIÉRREZ - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ/MS, MARCELA SILVA DA CUNHA - SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO, PATRICIA DOS SANTOS DA COSTA - SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO, RAFAELA DE VIEIRA LOPES DA SILVA - SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO, ADILSON ROCHA CAMPOS - UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS - UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Apresentação/Introdução Os efeitos perversos da emergência em saúde pública provocada pela Covid-19 ainda são sentidos pela população brasileira, especialmente pelos mais pobres. A postura negacionista de enfrentamento a pandemia, praticada no País entre os anos de 2019 e 2022, além de provocar o adoecimento e morte de milhares de pessoas - sobretudo dos mais vulneráveis - acentuou as desigualdades sociais presentes historicamente no Brasil. Por outro lado, a pandemia fez surgir coletivos organizados em diversas favelas do município do Rio de Janeiro, em movimentos auto gestionários, de contraponto e resposta à fragilidade das intervenções dos governos nesses espaços, e de apoio ao Sistema Único de Saúde e outras políticas públicas.
Objetivos Este resumo traz a análise dos modos de enfrentamento à pandemia em dado território vulnerável do Rio de Janeiro, identificando a organização coletiva de moradores de uma favela da região central da cidade. Utilizou-se de informações do estudo multicêntrico “Estratégias de abordagem dos aspectos subjetivos e sociais na Atenção Primária no contexto da pandemia” - CAAE 40699120.2.3001.0086 - desenvolvido em 12 Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos municípios de Campinas/SP, Rio de Janeiro/RJ e São Paulo/SP, durante o ano 2 da pandemia.
Metodologia Para compreender as modificações produzidas pela Covid-19 ao processo de trabalho e à relação de cuidado na Atenção Primária à Saúde (APS), a referida pesquisa utilizou-se de observação participante, diário de campo, 98 entrevistas em profundidade com trabalhadores e usuários das UBS e análise de portarias publicadas sobre a pandemia. No tratamento das informações, produziu-se narrativas e grades interpretativas, uma das categorias identificou as “Produções sociais e comunitárias para o cuidado em saúde e o ativismo social”, que aqui trazemos em destaque. O estudo utilizou os referenciais da pesquisa-apoio e da hermenêutica crítica, e os pesquisadores-apoiadores passaram por processo de formação subsidiado pelo método Paideia. Valorizou-se ainda a implicação desses com a APS e prática de pesquisa.
Resultados e discussão Os resultados aqui apresentados foram produzidos no território de uma das 4 Clínicas da Família (CF) do Rio de Janeiro que participaram do estudo, onde foram entrevistados 6 trabalhadores e 4 usuários. Nesta CF - nome carioca das UBS -, 5 equipes de Saúde da Família respondiam por 24 mil usuários adscritos, com apoio do Núcleo Ampliado de Saúde da Família, composto de profissionais de educação física, psicologia e serviço social.
Na referida favela, um coletivo de 17 moradores formou uma espécie de secretaria de combate a Covid dentro da comunidade, composto por ativistas do movimento negro, religiosos, lideranças do movimento de mulheres, e outros segmentos. As intervenções começaram com a distribuição de cestas básicas, depois foi ampliado para doação de sabonete e álcool, e instalação de pias higiênicas nas principais entradas do morro. Os pedidos de doação eram enviados para pontos diversos, como supermercados, instituições públicas e iniciativa privada.
O coletivo atuou em parceria com a CF, e a partir da articulação com Agentes Comunitários de Saúde (ACS), membros do grupo faziam o monitoramento de pacientes com quadros de saúde sensíveis e pessoas acamadas. A ajuda incluiu a entrega de medicamentos e exames, e outros procedimentos que não necessitavam da visita do ACS. O acompanhamento teve suporte e orientação da CF, via tecnologia de informação e comunicação, permitindo a continuidade do cuidado mesmo com a redução de profissionais nas equipes de saúde, por motivos diversos.
O grupo se articulou com movimentos de outras comunidades, trocando experiência e informações sobre a rede de doadores. A publicização das ações na internet foi uma forma de dar visibilidade ao coletivo – revertendo-se no aumento das instituições parceiras -, e de comunicação mais eficiente, transmitindo informações seguras sobre a pandemia de um modo mais diretivo, no “papo reto”.
Conclusões/Considerações finais Compreendemos que a falta de medidas concretas e as necessidades prementes de sobrevivência de moradores da favela pesquisada engendrou processos instituintes de ativismo social na pandemia, produzindo mudanças a partir da organização autogestora desses grupos. As articulações realizadas com a CF do território, além de contribuir na identificação dos mais vulneráveis, colaborou no cuidado prestado a usuários já acompanhados e aproximou as lideranças surgidas nesse contexto com os profissionais de saúde. A formação do coletivo surgiu ainda como meio de resistência à posição subalternizada definida para determinados grupos sociais. Nas favelas, vozes insurgentes se negaram a aceitar o pouco ofertado pelo poder público, e num movimento de criação de modos de organização e de existência contra hegemônica, enfrentaram a necropolítica de Estado.
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