Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC12.1 - Epistemologias da Saúde desde o Sul: Virada decolonial e construção compartilhada de conhecimento

47918 - “NÓS FAZEMOS MEDICINA”: DIÁLOGOS NECESSÁRIOS PARA CAMINHOS DECOLONIAIS
IZI CATERINI PAIVA ALVES MARTINELLI DOS SANTOS - ILMD/FIOCRUZ, JÚLIO CESAR SCHWEICKARDT - ILMD/FIOCRUZ, SÔNIA MARIA LEMOS - UEA, THALITA RENATA OLIVEIRA DAS NEVES GUEDES - SEMSA MANAUS


Apresentação/Introdução
Durante a colonização no Brasil, os indígenas foram vistos como seres inferiores, negou-se a diversidade de saber e perpetuou-se a ideia de “bárbaros”, “selvagens”, “infantis”. A colonização e as políticas indigenistas portuguesas resultaram no genocídio dos povos indígenas, reduzindo a população indígena de 5 milhões para 600 mil indígenas. Os rastros da colonização não acabaram com o fim desta era, pelo contrário, seguem até hoje. Na constituição de 1824, não houve citação ao povo indígena, já em 1910, após repercussões de extermínios indígenas foi criado o Serviço de Proteção aos Índios, em suma, esse serviço entendia que os indígenas mereciam relacionar-se com a sociedade nacional, mesmo sendo inferiores. Mais tarde, com a Constituição de 1988 os povos indígenas foram reconhecidos quanto a sua cultura, organização social, crenças e tradições. Embora presente na Constituição federal, a população indígena seguiu sendo negligenciada e atacada, ficaram ausentes nas políticas públicas, tiveram suas terras contaminadas pelo garimpo (com incentivo governamental) e suas práticas inferiorizadas. Apesar do fim do colonialismo, há uma lógica colonial que perdura entre os saberes, os diferentes modos de vida, grupos sociais e humanos.

Objetivos
Refletir o uso do termo medicina indígena como estratégia decolonial.

Metodologia
Ensaio teórico sobre a temática que fundamenta a base epistêmica da pesquisa.

Resultados e discussão
O termo colonialidade teve início com o sociólogo Quijano que utilizou o termo colonialidade do poder para tratar a constituição de um poder mundial moderno e eurocentrado a partir da ideia imaginada de uma raça superior que naturaliza os colonizados como inferiores. A matriz colonial de poder que dá visibilidade a uns saberes pela invisibilidade de outros e assim se tornam, nessa perspectiva, não científicas, logo, inferiores. A luta pelo rompimento da dominação europeia fortalecida pelo colonialismo é entendida como descolonialidade. A decolonialidade (sem o s) combate a colonialidade e todos os “rastros” deixados, sobretudo material, epistêmico e simbólico. A decolonialidade se refere a processos históricos, mas que também estão no presente por meio das estruturas sociais e instituições. Compreender a medicina indígena como prática legítima, sem estabelecer comparações, sem conceituar ou adjetivar, é antes de tudo decolonizar o nosso pensamento, é despir-nos de todo e qualquer conceito, para mergulharmos numa outra racionalidade que nos guia a outros entendimentos, a um outro mundo. A medicina indígena quando presente nos textos, políticas, artigos e falas de pesquisadores ou instituições é dita como medicina tradicional ou práticas tradicionais. O uso do termo medicina indígena é uma forma de ampliar o que se reconhece nas práticas de medicina indígena e de entender que esta é uma estratégia decolonial importante para uma prática própria que tem a oralidade, que é cunhada no ensino de gerações, mas que acima de tudo é ciência e segue uma outra racionalidade que não cabe nos adjetivos dados a partir de uma lógica de pensamento abissal. Medicina indígena não é medicina alternativa, saberes, ancestral, tradicional, o uso desses termos de certo modo reafirma uma postura eurocêntrica colonizadora e que há tempos inferioriza o conhecimento indígena. A medicina indígena expressa uma outra racionalidade para interpretar, viver, ser, saber e entender todo o universo. O cuidado acontece por meio dos especialistas indígenas que utilizam ferramentas disponíveis na natureza e conhecimentos que foram adquiridos ao longo da vida por meio da oralidade. É importante ressaltar que a prática do cuidado, na medicina indígena, não é religiosa, por sinal, é equivocado relacionar tais cuidados com religião. Os especialistas indígenas cuidam a partir das concepções indígenas, enquanto a religião tem criador e criatura e o objetivo é salvar a alma, há uma relação vertical, para os povos indígenas, a medicina indígena é a arte da cura, a relação é horizontal, uma vez que todos os seres se encontram no mesmo nível.

Conclusões/Considerações finais
A colonização do território brasileiro definiu a população indígena em não-civilizados de forma também a classificar seus conhecimentos a tradicionais, não podendo ultrapassar a ideia de moderno/tradicional. A biomedicina reconhecida como aquela que detém todas as formas de cuidado e cura, nega outras possibilidades de cuidado e outras medicinas. O reconhecimento dos profissionais indígenas e de suas práticas, bem como a sua medicina, são necessários para caminhos decoloniais, seja na pesquisa, no cuidado ou na vida.