02/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC14.1 - Mulheres e emergências sanitárias |
45981 - AFETO E ANESTESIA NO TRABALHO EM SAÚDE EM TEMPOS DO COVID-19 ANNA VIOLETA RIBEIRO DURÃO - EPSJV/FIOCRUZ, FLÁVIA DE ASSIS SOUZA E - EPSJV, RENATA REIS - EPSJV/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução Esse trabalho analisa as experiências vividas pelas profissionais de saúde durante a pandemia de Covid-19. Destaca-se a tensão entre elas terem que atuar em um momento de emergência, sem as condições mínimas para o enfrentamento da crise.
Objetivos Tem como objetivo analisar o trabalho do cuidado e a relação das trabalhadoras da saúde com os usuários, com a equipe e consigo mesmas durante a pandemia.
Metodologia Faz parte de uma pesquisa mais ampla, intitulada Projeto Respiro que buscou “analisar as repercussões da pandemia no trabalho e na vida de trabalhadores que atuam na atenção básica e na assistência hospitalar no Brasil, buscando compreender as novas dimensões das penosidades e dos sentidos do trabalho em saúde”. As entrevistas foram densas e profundas, pois buscou-se, a um só tempo, investigar e apoiar essas trabalhadoras
Na pesquisa em tela, utilizou-se a literatura mais ampla sobre o trabalho na pandemia, com o foco nas relações de gênero. Selecionou-se cinco entrevistas com profissionais que atuaram na assistência hospitalar, lançando luz sobre as mudanças no ambiente de trabalho e vida. Fundamenta-se a análise no pensamento de Walter Benjamin, principalmente, no seu conceito de experiência na busca de entender como essas trabalhadoras lidaram com essas transformações. Benjamin destaca o esmaecimento de uma experiência partilhável que perde o seu sentido com a valorização de uma experiência individual na modernidade. Esse trabalho procura preservar a história dessas mulheres, na esperança de que as suas narrativas não sejam apagadas.
Resultados e discussão A situação de “emergência em saúde pública” intensificou as desigualdades e a precarização da vida e do trabalho que já estavam presentes, somando-se a ela o crescimento do desemprego e da informalidade, entre outras formas de perda de direitos. As mulheres são a maioria na área da saúde (70%) e a naturalização do seu fazer como feminino tem relação direta com a precarização do trabalho. Com efeito, de acordo com a pesquisa da federação sindical “Public Services International” (PSI) em cooperação com a ONU, desenvolvida entre março de 2020 a dezembro de 2022, foram 4.500 profissionais de saúde da rede pública e privada mortos no Brasil, sendo que dois terços desses profissionais não tinham contratos formais de trabalho e oito em cada 10 eram mulheres.
Nesse cenário, as trabalhadoras foram chamadas a trabalhar, sem a menor estrutura para o enfrentamento do vírus. Frente ao desemprego mais amplo que muitas vezes afetou membros da sua família, a possibilidade de manter-se empregadas constituiu-se como uma forma de manter a subsistência. Soma-se a isso, tanto um dever ético de dar a sua contribuição, como também um sentido vocacionado ainda presente no trabalho em saúde. Todo o ambiente foi modificado, desestruturando os saberes e valores com os quais ancoravam o seu trabalho. Embora tivessem formação na área em que foram inseridas, as novas exigências iam muito além da sua experiência anterior. Vale salientar que no começo da pandemia as equipes estavam esgarçadas não havendo vínculo necessário, tanto para dar conta do trabalho, quanto para o compartilhamento das angústias vivenciadas. Nesse contexto, o peso da crise caiu sobre os ombros de cada trabalhador que dentro do limite tentaram minimizar os efeitos nefastos da falta de direcionamento do Estado na condução da pandemia.
A escassez de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) criou dentro das equipes de saúde uma hierarquização entre os profissionais que teriam prioridade no seu uso. Trouxe ainda uma mudança na forma de prestar o cuidado, na medida em que a percepção corporal que envolve o contanto com os pacientes foi modificada. As máscaras de proteção para além de dificultarem a comunicação, encobriam as mensagens subliminares que se passavam através das feições do rosto, tais como: o sorriso, raiva etc. Pode-se dizer que a utilização do EPIS afasta a interatividade entre os corpos, neutralizando o contato. Contraditoriamente, essa dimensão do trabalho em saúde que envolve um aperto de mão, abraço, empatia, entre outros afetos ganharam peso quando impossibilitadas. São valores que se contrapõem e se imbricam na realização do cuidado que ganharam peso devido ao medo em comum diante da morte que atingia os usuários e os profissionais de saúde. A intensificação do trabalho também estava presente no espaço doméstico e teve impacto nas relações de afetividade no âmbito familiar, acentuando o estresse vivido por essas profissionais.
Conclusões/Considerações finais Constata-se que se por um lado enfrentar o vírus sem uma equipe estruturada trouxe angústias, adoecimento e mortes. Por outro, o enfrentamento em conjunto desses desafios estreitou e fortaleceu os laços entre os trabalhadores, sublinhando a importância do compartilhamento desses afetos. Acredita-se que a rememoração das experiências dessas trabalhadoras é fundamental, tanto para elaboração subjetiva dos momentos vividos, quanto para a construção coletiva desse momento histórico.
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