Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC16.1 - Violência e gênero: perspectivas interseccionais

46243 - “EU ERA UMA PESSOA HUMILHADA, SOZINHA, SEM FAMÍLIA”: ISOLAMENTO E VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES QUE VIVEM EM CONTEXTOS RURAIS
LUCIANE STOCHERO - ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA - FIOCRUZ, LIANA WERNERSBACH PINTO - ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA - FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
A compreensão da violência contra as mulheres perpassa por questões de gênero. A expressiva concentração de violência, conforme aponta Bandeira (2019), ocorre historicamente sobre os corpos femininos e as relações violentas existem em decorrência das relações assimétricas de poder entre homens e mulheres. Assim, a violência de gênero no cotidiano da vida das mulheres acaba por ser socialmente tolerada e aceita. As mulheres que vivem em contextos rurais encontram-se em situações de vulnerabilidade, verificadas no isolamento social e geográfico. Barreiras, como longas distâncias, ausência de transporte público, limitação de rede de telefonia e internet, ausência de testemunhas, afastamento de familiares, fortalecem a invisibilidade da violência e o silenciamento dessas mulheres. Essas barreiras, também dificultam o enfrentamento à problemática da violência, uma vez que, geralmente, os serviços públicos de assistência, segurança e saúde estão localizados nos centros urbanos. Dessa maneira, as mulheres que vivem em contextos rurais, estão relegadas ao silêncio e enfrentam sozinhas um cotidiano violento.

Objetivos
Este trabalho tem como objetivo discutir a violência e o isolamento vivenciados por mulheres que vivem em contextos rurais.

Metodologia
Trata-se de uma pesquisa qualitativa inspirada no Método História de Vida. As histórias de vida, segundo Bertaux (1980), constituem um instrumento incomparável de acesso à experiência subjetiva e busca apreender o significado que o sujeito atribui às suas experiências ou eventos de vida. Participaram da pesquisa, em 2022, 29 mulheres com idade acima de 18 anos, de dois municípios de pequeno porte do Rio Grande do Sul, que residiam, a maior parte da vida, na zona rural. As entrevistas seguiram um roteiro norteador e foram gravadas em áudio. Para compor esse trabalho, elegemos seis entrevistas em razão de seu conteúdo. Adotou-se a Análise de Narrativa, compreendida como uma estratégia baseada no olhar crítico e reflexivo sobre as histórias e informações que emergem na etapa de produção dos dados. A atenção dessa análise é voltada para a experiência das entrevistadas e não para o encadeamento dos acontecimentos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fiocruz, em 09/05/2022 sob parecer n. 5.395.759. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados e discussão
As mulheres que participaram da pesquisa tinham entre 40 e 61 anos de idade, duas se autodeclararam brancas e quatro pardas. A idade ao casar-se foi entre 14 e 31 anos. Cinco eram divorciadas e uma viúva, todas tinham filhos. Em seus relatos, a violência apareceu de múltiplas formas: física, psicológica, moral, sexual, patrimonial e negligência do parceiro em fornecer cuidados de saúde. Elas descreveram o quanto se sentiam humilhadas, com medo, vergonha, sozinhas e sem apoio. Uma particularidade das narrativas dessas mulheres foi o cerceamento de liberdade por parte de seus companheiros. Situações, como proibição de conviver com a família, em um dos casos, chegando ao ponto de o companheiro destruir o telefone no momento em ela falava com a mãe; necessidade da concordância do marido para visitar os familiares; não permitir que a mulher fosse sozinha nas consultas médicas; inclusive, dirigindo-se ao hospital, enquanto a mulher cuidava de um familiar, para verificar se ela realmente estava no local. Essas mulheres viveram a dor da violência e da solidão durante anos em suas vidas de casadas. Entre os aspectos acarretados pelo isolamento, segundo Kipnis (2018), estão a ausência de redes de apoio e o sentimento de solidão. O isolamento pode favorecer a permanência da mulher na situação de violência, dificultando o afastamento do relacionamento abusivo. A mesma autora observa que o isolamento social, além de ser o primeiro passo para outras formas de violências, pode ser em si próprio, uma forma de agressão contra a mulher quando ela é impedida de conviver com familiares e amigas, que trabalhe fora ou que tenha autonomia financeira. O meio rural tem como característica as distâncias geográficas entre vizinhos e aos centros urbanos, o que em si não é um ponto negativo, mas se torna prejudicial quando dificulta a mulher de pedir socorro, de ser vista e ouvida por familiares, isolando-a de seus círculos de convivência.

Conclusões/Considerações finais
A violência foi uma constante na vida de casada das mulheres rurais que participaram da pesquisa. O isolamento geográfico, característico do meio rural, contribuiu para o isolamento social dessas mulheres, afastando-as dos familiares. Bem como, limitando os deslocamentos para locais de apoio e assistência, favorecendo a permanência no relacionamento abusivo, impactando negativamente na saúde mental e autoestima. É uma violência que isola e um isolamento que violenta.