Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC16.1 - Violência e gênero: perspectivas interseccionais

48115 - PERFIL DAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL ATENDIDAS PELO AMBULATÓRIO DE SAÚDE DA MULHER DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
KARINA LAGE VIANNA TERCEIRO - UFMG, ADALGISA PEIXOTO RIBEIRO - UFMG, SARA DE PINHO CUNHA PAIVA - UFMG, GRAZIELLA LAGE OLIVEIRA - UFMG


Apresentação/Introdução
A violência sexual contra as mulheres é uma grave violação dos direitos humanos e uma violência baseada no gênero que oprime e subjuga as vítimas, causando-lhes sérios danos físicos e psicológicos. Atinge mulheres de todas as classes sociais, etnias, religiões e culturas, ocorrendo em diferentes etapas da vida. De acordo com o Fórum Nacional de Segurança Pública, os registros de estupro e estupro de vulneráveis do sexo feminino no Brasil apresentaram crescimento de 12,5% no primeiro semestre de 2022 em relação a 2021, totalizando 29.285 vítimas (um estupro a cada 9 minutos). Apesar de alarmantes, tais números não refletem a magnitude dessas violações devido à subnotificação da violência. Ações do poder público visando reduzir os danos e prevenir a violência incluem o atendimento imediato às vítimas, acolhimento e registro adequado, contracepção de emergência, profilaxias para infecções sexualmente transmissíveis, notificação da violência, atendimento psicológico e realização do abortamento previsto em lei. Para o planejamento e eficiência dessas ações é necessário o conhecimento do perfil epidemiológico da vítima, bem como das circunstâncias e locais onde a violência ocorreu.

Objetivos
Apresentar o perfil epidemiológico das vítimas de violência sexual atendidas no ambulatório de Saúde da Mulher do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), entre 2021 e 2022.

Metodologia
Estudo descritivo utilizando dados secundários provenientes de prontuários médicos das vítimas de violência sexual atendidas no ambulatório de saúde da mulher do HC/UFMG, entre 2021 e 2022. Trata-se de um serviço localizado na cidade de Belo Horizonte, que oferece à vítima atendimento imediato pós violência, atendimento de psiquiatria, psicologia e serviço social, realização do Aborto Legal (previsto em lei para casos de violência sexual) e acompanhamento ginecológico às vítimas. Apresentam-se resultados preliminares de estudo em andamento, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG sob o parecer CAAE 90432718.0000.5149.


Resultados e discussão
Foram coletadas informações de 86 mulheres atendidas no Ambulatório (45 em 2021 e 41 em 2022). A idade média das mulheres no atendimento era de 25,6 anos (variando entre 12-48 anos) e 51,2% tinham cor da pele parda (n=44). Pouco mais de ⅓ delas tinha ensino médio completo (31,4%; n=27) ou ensino superior completo (27,9%; n=24). Aproximadamente 28% (n=24) possuíam algum problema de saúde mental, sendo os transtornos de humor os mais prevalentes (83,3%). Estes achados podem evidenciar o papel da interseccionalidade na ocorrência dos atos violentos, visto que mulheres com perfil mais vulnerável são maioria no serviço de referência para violência, associando-se à cor da pele parda, menor escolaridade e presença de condições de saúde mental. Um total de 27,9% dos casos ocorreu na casa/carro do agressor, seguido pela casa da vítima ou de parentes (22,1%); 45,3% envolveu ameaças e violência física ou psicológica e a vítima estava consciente durante o ato (59,3%). Em mais da metade dos casos (62,8%) o agressor era uma pessoa conhecida da vítima. Esses dados evidenciam que as agressões contra as mulheres ocorrem em relações com pessoas conhecidas e em locais em que, teoricamente, elas estariam protegidas. Estar consciente durante o ato, pode sugerir tanto que as vítimas confiavam nos agressores quanto evidenciar sua vulnerabilidade emocional e física, sendo incapazes de reagir à violência. Em 62,8% dos casos houve a confirmação da gravidez após a violência sexual e 60,5% das mulheres informou não ter usado contracepção de emergência e não ter feito Boletim de Ocorrência - BO (61,2%). Ao chegar ao serviço, 66,3% das mulheres foram atendidas pela psiquiatria e 39,5% pela psicologia. A interrupção da gestação foi realizada em 70,4% dos casos de gravidez após violência sexual. Quase a totalidade das mulheres chegou ao serviço após 60 dias do evento violento e não retornaram para o acompanhamento completo após a interrupção da gestação.


Conclusões/Considerações finais
A maioria das vítimas procurou o atendimento após a confirmação da gestação, com tempo médio de chegada no serviço de dois meses após a violência, perdendo a oportunidade de receber contracepção de emergência. O ambulatório de saúde da mulher do HC/UFMG presta um atendimento integral, no entanto, a falta de adesão das mulheres ao seguimento ambulatorial pode refletir o impacto do distanciamento social ocasionado pela pandemia de COVID-19, mas também a esquiva das vítimas no sentido de evitar situações que lembrem o evento traumático. Um achado que corrobora com esta hipótese é o fato de a maioria das vítimas não ter feito o BO, sugerindo a existência de culpa, vergonha e medo de represálias. Garantir às vítimas um atendimento humanizado, que garanta acolhimento e segurança para o seguimento do acompanhamento é uma estratégia fundamental para o cuidado dessas mulheres no SUS.