Comunicação Oral Curta

02/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC16.2 - Desafios na atenção à gestação, ao parto e ao puerpério

46319 - DESCOBRINDO O HIV NA GESTAÇÃO: ESTUDO DE CASO SOBRE ACESSO A SAÚDE, O CUIDADO INTEGRAL EM REDE E INTERSECCIONALIDADES
FERNANDA MARÇAL FERREIRA - USP, KELLY CRISTINA MÁXIMA PEREIRA VENÂNCIO - USP, CARLA MARINS SILVA - USP, CINDY FERREIRA LIMA - USP, NÁDIA ZANON NARCHI - USP


Apresentação/Introdução
A infecção por HIV mobiliza desde a esfera organizacional dos serviços até a esfera individual, requerendo, tanto de profissionais quanto de quem descobre o diagnóstico, a capacidade de lidar com emoções e sentimentos, muitas vezes marcados por estigma e preconceito. Quando esta descoberta se associa a ser mulher e estar gestante vemos as demandas mobilizadas crescerem exponencialmente.

Objetivos
Analisar o acesso à saúde, o cuidado integral em rede e interseccionalidades, a partir de um caso de descoberta do HIV na gestação.

Metodologia
Trata-se de um estudo de caso, a partir da pesquisa “Rede de atenção à saúde materno-infantil: relação entre a adequação do pré-natal com a demanda de atendimentos de urgência e emergência obstétrica no serviço público municipal de São Paulo”, desenvolvida em São Paulo/Brasil, entre de 2018 e 2019. A pesquisa teve aprovação ética nos comitês pertinentes (Pareceres nº 2.490.668/2018; 2.548.667/2018 e 2.763.011/2018). O presente estudo de caso, utilizou-se de dados sociodemográficos, econômicos e clínico obstétricos das gestantes acompanhadas para identificação de marcadores sociais, provenientes do banco de dados da pesquisa maior e os relatos de diário de campo da equipe pesquisadora, analisados sob a ótica da dimensão interseccional das vulnerabilidades para morbidade materna.

Resultados e discussão
N.C.S declara cor de pele preta, estudou até concluir o ensino fundamental, vivia junto com um companheiro, com renda familiar de R$1.000,00/mês. Iniciou atividade sexual em relações heteronormativas aos 17 anos. Aos 22 anos, no ano da entrevista, iniciou pré-natal em unidade básica de saúde acompanhada por estratégia saúde da família. Iniciou pré-natal com 05 semanas gestacionais, quando recebeu o diagnóstico de soropositividade para HIV. Foi encaminhada para o Centro de Testagem e Aconselhamento, teve mais dois contatos com a Atenção Primária no pré-natal e após, não houve mais nenhum registro de atendimento ou monitoramento da gestante nesse nível de atenção. Sete meses após o diagnóstico do HIV, a gestante procura o pronto socorro obstétrico com queixa de sangramento vaginal e no mês seguinte, novo atendimento hospitalar, quando refere para a equipe que teve teste rápido de HIV com resultado positivo, mas que tem outro teste com resultado negativo. É realizado mais um teste rápido com resultado positivo para HIV e a gestante é informada sobre o “novo” resultado. Por meio de carta, é contra referenciada ao pré-natal. Para o nascimento do bebê, a gestante deu entrada no pronto-socorro, sem cartão de pré-natal nem exames gestacionais. Omitiu para a equipe o resultado dos testes rápidos e, portanto, não foi feita profilaxia intraparto. Conforme rotina hospitalar foi coletado sangue para sorologias no momento da internação para o parto e antes que a amamentação fosse liberada, saiu o resultado laboratorial positivo para HIV. N.C.S negou saber sobre o diagnóstico previamente. As mulheres representam mais de 50% da população mundial que convive com o vírus. N.C.S traz consigo vários marcadores sociais de vulnerabilidade a infecção: ser preta, de classe média baixa e baixa escolaridade. Tais fatores também estão presentes quando se discute a adesão ao tratamento. Dificuldade de compreensão do diagnóstico e prognóstico da infecção, da importância do tratamento, da possibilidade de alcance da supressão viral, resultam na negação da infecção e negligência do tratamento. Para além das questões de caráter individual que surgem a partir destes marcadores, cabe a reflexão sobre a compreensão dos fluxos de referência e contrarreferência presentes na rede de assistência. Uma vez diagnosticada a infecção por HIV, os indivíduos devem ser referenciados para Serviços de Atendimento Especializados em IST/AIDS. Preconiza-se que haja comunicação entre a rede de assistência, feita por via de referência e contrarreferência. No caso analisado houve incoerência com o fluxo de atendimento, haja vista que a paciente já havia recebido o diagnóstico, fato que pode ter contribuído para não identificação de seu desaparecimento da rede assistência. O adequado acolhimento da paciente, com suporte as demandas que surgiram após a descoberta diagnóstica e vivência da gestação, com reconhecimento de suas dificuldades em lidar com o diagnóstico e oferta adequada de informações, poderia ter dado outro resultado a este desfecho, promovendo tanto o cuidado integral a mãe, quanto a saúde do bebê que esteve susceptível a infecção pela ausência do tratamento materno.

Conclusões/Considerações finais
Houve fragmentação da rede de cuidado, que deveria basear-se na integralidade. Não foi identificado diálogo da rede com as necessidades individuais da gestante, afastando-a do acesso à saúde e produzindo descontinuidade do cuidado.