02/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC16.2 - Desafios na atenção à gestação, ao parto e ao puerpério |
46444 - ASSISTÊNCIA AO LUTO EM CAMADAS URBANAS BRASILEIRAS: ESTÉTICAS CONTEMPORÂNEAS DA PERDA PERINATAL VANESSA MIRANDA SANTOS DE PAULA CARNEIRO - IESC/UFRJ, RACHEL AISENGART MENEZES - IESC/UFRJ
Apresentação/Introdução Este estudo integra uma dissertação de mestrado em Saúde Coletiva e dialoga com o campo de estudos da antropologia dos processos saúde/doença e da morte, no contexto da perda perinatal. Segundo classificação biomédica, a perda perinatal é concernente a diferentes causas de morte fetal ou neonatal, como: abortamentos, interrupção médica da gestação e diagnóstico de anomalias congênitas incompatíveis com a vida. Com frequência, é constatada em exames de rotina ou demandas para investigação da saúde do feto.
Objetivos O objetivo é abordar a construção de padrões estéticos associados ao luto perinatal em camadas urbanas brasileiras, ao identificar os valores que fundamentam as práticas prescritas e compõem narrativas de perda perinatal.
Metodologia Empreendemos uma análise documental de material produzido e difundido por especialistas em assistência ao luto, desde a década de 2010, cujo acervo foi composto por livros técnicos, cartilhas e protocolos de assistência.
Resultados e discussão A análise do material resultou na apreensão das prescrições associadas ao enfrentamento da perda e à produção de novas identidades sociais (bebê anjo, bebê arco-íris e mãe de anjo), a partir de práticas medicalizadas, que configuram determinados modelos de rituais fúnebres. As prescrições de ritualização abordam o processo de luto com enfoque intra-psíquico e são configuradas pelos ideários de família e de “boa mãe” presentes no campo da psicologia e dos cuidados paliativos. Interpretada socialmente como uma falha na maternagem, a perda perinatal é considerada potencialmente traumática por profissionais de saúde, de modo que, diante deste cenário complexo, demanda cuidados específicos. A complexidade está pautada, dentre outros fatores, pela atribuição (ou não) do estatuto de pessoa aos fetos ou bebês mortos. Embora especialistas em assistência ao luto lhes atribuam o estatuto de pessoa em suas intervenções, por vezes profissionais da área de medicina fetal não perpetuam tal atributo, em face da perda. A comunicação da morte pode ser uma situação de tensão – entre duas visões distintas, que configuram práticas previamente instituídas e outras em construção. A diferença nos critérios de atribuição da noção de pessoa contribui para uma forma de assistência considerada violenta pelas especialistas, visto que as puérperas deixam de ser associadas à imagem da “boa mãe”. Segundo o cenário, podem ser vinculadas à figura da “anti-mãe”, com expressões de reprovação moral de equipes de saúde. No Brasil, na assistência ao luto perinatal não há uma política pública vigente, apesar da existência de articulação política para a implementação de novas práticas, tidas por especialistas como mais “humanizadas”. Tais práticas objetivam uma oferta de assistência em saúde, com garantia de direitos civis, adequados às demandas recentes de reconhecimento social do luto perinatal. Estas profissionais frequentemente atuam a partir de uma dupla inserção no campo, pois também se identificam como mães enlutadas. As prescrições produzidas são generificadas, abordam os diferentes laços familiares (pautados pelo modelo tradicional) e, geralmente, não consideram marcadores da diferença, como classe social, etnia e especificidades regionais.
Conclusões/Considerações finais A presente pesquisa desnaturaliza os parâmetros de vida, morte e pessoa/sujeito, a partir do estudo das construções culturais configuradas pela racionalidade médico-científica hegemônica. Concluímos que o campo da assistência ao luto perinatal em camadas urbanas no Brasil é recente, caracterizado por tensões, contradições e moralidades. Tais processos sociais produzem cuidados em saúde, que configuram diferentes modos de performar o processo de luto, usualmente referidos a um ideário específico de família, maternidade e paternidade.
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